domingo, 1 de julho de 2012

Retirantes

As crianças fazem fila. Carregam trouxinhas sobre o ombro direito e usam lenços vermelhos presos com caixas de fósforo em torno do pescoço. Os meninos vêm com chapéus de cangaceiros, camisas brancas e jeans remendados. As meninas, por sua vez, têm enfeites no cabelo, usam saias multicoloridas e repetem a simplicidade do branco em suas blusas. 

As crianças caminham pelo pátio para formar um círculo antes de se sentarem. Ainda em silêncio, uma a uma, deixam as trouxas no centro da roda fazendo um amontoado delas. E, quando a música começa, elas soltam a voz. Fazem dos lenços uma fogueira igual à de São João, cantam o sofrimento da seca e o adeus à Rosinha. Desenham corações com os dedos, que batem em seguida as asas brancas do sertão.

É a penúltima apresentação daquela turma em uma festa junina da creche Palmo e Meio.

Não tiramos os olhos de Alice, que já nos dizia durante a semana que aquele seria o dia mais feliz da vida dela. Quando falava da festa, reclamava dos cansativos ensaios e caprichava nos olhares de sabichona para falar de Luiz Gonzaga, agora amigo íntimo das cantorias no banheiro. Bastante irrequieta, não escondia a ansiedade.

Não tiramos os olhos de Alice porque ela não se limita agora a cantar. A interpretação da música está em gestos, caras e bocas. A judiação em seus braços é tão sofrida quanto a seca. Seus olhos tristes morrem de sede junto com o alazão. Sua mão bate forte no peito a promessa de voltar para o sertão. E nós não escondemos as lágrimas.

Na apresentação derradeira as crianças dançam forró. De cabo a rabo, com muita animação. Vixe, como eu estou feliz! São três vezes, porque na primeira os pais dançam também. E nós dançamos sem jeito e, claro, sem tirar os olhos de Alice.

Ao seu modo, aquelas crianças são retirantes também. Aos poucos, dão adeus a Rosário. No fim deste ano, quando estiverem prontas, vão bater suas asinhas brancas e partir. Enquanto isso, elas escrevem cartinhas para o correio do amor, leem frases no microfone, correm de um lado a outro, pedem água, tiram os sapatos, jogam a bola na boca do palhaço, trazem um brinde, correm um pouco mais.

Faltam ainda alguns meses de muito aprendizado, mas as crianças já batem no peito e prometem voltar.

E nós fazemos coro, agradecendo com os dedos adultos que também aprenderam a desenhar corações.

5 comentários:

  1. Esse ano a festa do Frederico foi Tecnobrega. Ele fez questão de manter segredo sobre a música e a coreagrafia, e me supreendi assitindo sua performance. Ele curtiu muito a produção do seu outfit - girassol, óculos, chapéu, gravata e remendos, bem à moda Falcão!

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  2. Muito legal!Intimidade com a música de luiz Gonzaga é maravilhoso.

    Ana Maria

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  3. Emocionante os vídeos, o relato! Vindo da Alice, nada me surpreende mais!!!!

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  4. Lindo e lindo! E a gente fica em ar de despedida também, despedida de Alice desse mundo encantado que ele viveu até agora. A festa - eu vi - na narrativa e até ouvi a voz da Alice.

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