As crianças fazem fila. Carregam
trouxinhas sobre o ombro direito e usam lenços vermelhos presos com caixas de
fósforo em torno do pescoço. Os meninos vêm com chapéus de cangaceiros, camisas
brancas e jeans remendados. As meninas, por sua vez, têm enfeites no cabelo, usam
saias multicoloridas e repetem a simplicidade do branco em suas blusas.
As crianças caminham pelo pátio para
formar um círculo antes de se sentarem. Ainda em silêncio, uma a uma, deixam as
trouxas no centro da roda fazendo um amontoado delas. E, quando a música
começa, elas soltam a voz. Fazem dos lenços uma fogueira igual à de São João, cantam
o sofrimento da seca e o adeus à Rosinha. Desenham corações com os dedos, que
batem em seguida as asas brancas do sertão.
É a penúltima apresentação
daquela turma em uma festa junina da creche Palmo e Meio.
Não tiramos os olhos de Alice,
que já nos dizia durante a semana que aquele seria o dia mais feliz da vida
dela. Quando falava da festa, reclamava dos cansativos ensaios e caprichava nos
olhares de sabichona para falar de Luiz Gonzaga, agora amigo íntimo das
cantorias no banheiro. Bastante irrequieta, não escondia a ansiedade.
Não tiramos os olhos de Alice
porque ela não se limita agora a cantar. A interpretação da música está em gestos,
caras e bocas. A judiação em seus braços é tão sofrida quanto a seca. Seus olhos
tristes morrem de sede junto com o alazão. Sua mão bate forte no peito a
promessa de voltar para o sertão. E nós não escondemos as lágrimas.
Na apresentação derradeira as
crianças dançam forró. De cabo a rabo, com muita animação. Vixe, como eu estou feliz! São três vezes, porque na primeira os
pais dançam também. E nós dançamos sem jeito e, claro, sem tirar os olhos de
Alice.
Ao seu modo, aquelas crianças são
retirantes também. Aos poucos, dão adeus a Rosário. No fim deste ano, quando
estiverem prontas, vão bater suas asinhas brancas e partir. Enquanto isso, elas
escrevem cartinhas para o correio do amor, leem frases no microfone, correm de
um lado a outro, pedem água, tiram os sapatos, jogam a bola na boca do palhaço,
trazem um brinde, correm um pouco mais.
Faltam ainda alguns meses de
muito aprendizado, mas as crianças já batem no peito e prometem voltar.
E nós fazemos coro, agradecendo
com os dedos adultos que também aprenderam a desenhar corações.
Esse ano a festa do Frederico foi Tecnobrega. Ele fez questão de manter segredo sobre a música e a coreagrafia, e me supreendi assitindo sua performance. Ele curtiu muito a produção do seu outfit - girassol, óculos, chapéu, gravata e remendos, bem à moda Falcão!
ResponderExcluirMuito legal!Intimidade com a música de luiz Gonzaga é maravilhoso.
ResponderExcluirAna Maria
Emocionante os vídeos, o relato! Vindo da Alice, nada me surpreende mais!!!!
ResponderExcluirAdorei!!! Alice sensacional!!!
ResponderExcluirLindo e lindo! E a gente fica em ar de despedida também, despedida de Alice desse mundo encantado que ele viveu até agora. A festa - eu vi - na narrativa e até ouvi a voz da Alice.
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