quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Palmo e Meio, Aqui é o meu Lugar

Se olharmos com carinho para o passado, vamos reconhecer, provavelmente em alguma escola por que passamos, uma segunda casa. A minha ficava em Copacabana, onde morava com meus pais, tinha um muro amarelo e uma rampa comprida logo na entrada. As crianças vestiam jardineiras azuis e amarelas. A dona da escola parecia frágil de tão pequena, mas tinha voz de quem dá as ordens, reúne o rebanho e põe todo mundo para crescer. Tinha uma filha que seria herdeira daquela responsabilidade toda. E, claro, um coração enorme.

Seis anos atrás, quando saímos para procurar uma creche para Alice, era isso que eu esperava encontrar. Era isso que eu queria que ela tivesse: uma segunda casa.

Sábado passado Alice nos deu mais uma prova de que acertamos na escolha. Em meio às expectativas de cada uma das apresentações de fim de ano, nós nos emocionamos pela primeira vez com o que se repete todos os anos: o hino da Palmo e Meio. Alice chorava, mas não parava de cantar. Ela chorava porque sabia que aquela seria a última vez. E em todas as vezes que os nossos olhares se cruzaram, ela limpou o rosto e sorriu. Era o sorriso banguela mais lindo do mundo, que agradecia e já sentia saudades.

É por isso que não tenho dúvidas de que cada um dos alunos do primeiro ano já pode dizer que teve sua segunda casa: uma creche de muro rosa que ficava em Botafogo, onde usavam camisas cinza com duas crianças bordadas – os Palminhos. Era Dona Rosário quem cuidava da casa e tinha aquela mesma voz de quem dá as ordens, reúne o rebanho e põe todo mundo para crescer. Tinha também uma herdeira, Marina, e um coração em que cabiam todas as nossas crianças.

Naquela casa os nossos filhos aprenderam muito, inclusive a conviver com as diferenças da melhor forma possível: com naturalidade. Fizeram amigos para a vida inteira e nos deram novos amigos. Graças às nossas crianças, somos hoje pessoas melhores.

E como tudo na vida tem um fim, eles têm agora que aprender a dizer adeus sem se esquecer de dizer obrigado.

Eu faço este agradecimento, embora um tanto pessoal, em nome de todos os pais.

O maior dos agradecimentos virá mais tarde, quando as crianças já crescidas disserem com orgulho: Eu estudei na Palmo e Meio... Foi a Magda que me ensinou a escrever... Minha professora preferida se chamava Néa... Aprendi minhas primeiras palavras em inglês com a Michele... Até hoje eu me lembro das músicas da Cacau...

E se alguém perguntar – mas, afinal, onde fica mesmo essa escola? –, eles dirão sempre sorrindo: fica aqui, no meu coração.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

As Crônicas de Alice

Se escrevo tanto sobre minha filha, é porque me realizo como pai. Nas pequenas coisas, até numa saída repentina para tomar um sorvete.

Passamos aquele fim de tarde juntos, durante pouco mais de uma hora fomos ao Jardim Botânico e voltamos. Fomos de carro – péssima ideia, estava difícil achar uma vaga e não há criança que se silencie diante do tédio; por isso, prefiro passear a pé, de ônibus, de metrô, mesmo que ela reclame de dores nas pernas e tenha a cara-de-pau de pedir colo. Ao volante não posso fazer nada diante da ladainha da insatisfação.

Essa é a parte ruim da história, que ficou para trás quando fechei a porta do carro e ela me deu a mão.

Na sorveteria Alice provou os sabores mais diferentes: panetone, por exemplo. Mas preferiu manga, depois de estranhar bastante a minha escolha – tamarindo. Puxou uma cadeira de plástico para perto da rua porque estava com frio, para fugir do ventinho do ar condicionado. Puxou outra para que eu me sentasse ao seu lado. Lá ficou quietinha, quase sem falar, apenas saboreando o sorvete. São detalhes como esse, pequenas coisas, que ficam na minha cabeça e fazem perdurar a sensação de felicidade.

Enquanto escolhíamos os sabores e comprávamos uma caixa para a mamãe, que tinha ficado em casa, a vendedora quis conversa , achou que conhecia a menina. Eu disse que não costumávamos circular por ali, mas fiquei pensando , pai bobo que sou, se alguém pode se esquecer da minha filha quando a moça disse que podia ser de outro lugar.

Assim que saímos, de impulso, perguntei à criança se não queria entrar na livraria que ficava ao lado. Ela topou. São vontades como essa, de virar páginas e reconhecer as capas, que me fazem sorrir, ter certeza de que terei sempre companhia.

Ali ela se fartou com as coleções. Encontrou todas as que conhece, de Judy Moody a Harry Potter. Pediu para ver cada um dos volumes, em alguns casos empilhados uns sobre os outros. Com paciência, segurando a sacola com a caixa de sorvete, eu me equilibrava para desfazer as pilhas, mostrar os livros e reorganizar tudo de novo. Ela só parou com a brincadeira quando viu o primeiro dos livros de uma série chamada Monster High. Juntou as mãos, fez aquela carinha do gato de botas do desenho do Shrek e deixou os olhinhos pidões brilharem.

– Liga pra mamãe, pai?

– Por quê? Você quer o livro, não quer?

– Sim. Não tinha esse quando eu saí com a mamãe.

– A gente não precisa ligar pra ela. Eu vou comprar, tá bom?

O agradecimento veio da melhor forma possível: ela disse que também me daria um livro. Escolhi então o meu presente e me dirigi ao caixa. Enquanto abria a carteira, resolvi perguntar se ela tinha trazido dinheiro. A carinha dela, toda sem graça, dizendo que tinha esquecido, tentando se justificar, foi impagável. São instantes como esse, pequenas lembranças, que explicam as crônicas de Alice.