domingo, 31 de março de 2013

Bonitinha

– Fica um pouco aqui? – Alice já estava deitada quando fez o pedido. E a luz do abajur iluminava metade do rosto dela.
– Tá bom – concordei enquanto colocava o cobertor por cima das pernas magrinhas.
– Papai, conta aquela história de quando vocês se conheceram?
– Eu e sua mãe? – Sabia que sim, então emendei assim que encostei a cabeça no travesseiro – A gente se conheceu num bar. Você sabe o que é um bar?
– Não.
– É um tipo de restaurante, que tem muita bebida e umas comidinhas para beliscar. Às vezes, tem música também.
– Sei – ela respondia sem se mexer, acho que pensando na próxima pergunta.
– Nesse bar tinha um jogo de perguntas – continuei. – O Luiz Sérgio, aquele amigo do papai, me convidou um dia. Você sabe quem ele é, não sabe?
– Sim.
– Então, sua mãe era vizinha dele, gostava de ir ao barzinho também. E a gente jogava no mesmo time. Aliás, no dia em que conheci sua mãe, conheci sua dindinha também. – Eu queria continuar, porém, naquele momento, Alice preferiu mudar de assunto. Parecia saber aonde queria chegar.
– Pai, agora conta aquela de quando a mamãe te falou que estava grávida?
– Conto. – Só parei para respirar. – Ela dava aulas de inglês, trabalhava até tarde, só chegava em casa depois das nove da noite. Sempre muito cansada, com o rosto quase triste.
– Triste?
– De cansaço, filha. Mas ela entrou em casa sorrindo naquele dia. Disse que tinha um presente pra mim.
– Era eu.
– Era – confirmei. – E ela falou que o presente estava embrulhado, mas eu só poderia abrir dali a nove meses. Eu só entendi que ela estava grávida quando ela apontou para o umbigo, assim... – depois de me acomodar sobre o cobertor, levantei a camisa para repetir o gesto da Nane.
– Eu já sei o que você falou! – foi assim, de repente, que a agitação tomou conta dela – Você disse pra ela que estava feliz, muito feliz, que sempre quis ter uma filha. – Alice se virou para me abraçar.
– Fiquei muito feliz, mas eu não sabia ainda que era uma menina – afirmei, achando graça da frase que ela criou para a situação. Àquela altura, estávamos deitados de lado, olhos nos olhos.
– Como foi quando você soube que era eu?
– Sua a mãe foi fazer um exame que dá para ver as formas do bebê na televisão. A imagem é escura, e só os médicos sabem dizer quais as partes do corpo a gente está vendo. – Às vezes, é difícil explicar as coisas. No entanto, segui em frente – A médica mostrou sua cabeça, suas mãozinhas. Dava até para ver os dedinhos. Depois a gente ficou torcendo para você não fechar as pernas, para saber logo se era um menino levado ou uma mocinha sapeca.
– E você queria uma menina, né?
– Muito. Quando a médica falou, fiquei tão emocionado que até chorei.
– Ah! Que bonitinho. – Ganhei outro abraço e um carinho na cabeça.

domingo, 17 de março de 2013

Um Perfil Curioso

Manoel de Barros diz que poesia não é para compreender, mas para incorporar. O conceito vale para arte de forma geral. É coisa íntima, às vezes inexplicável. Por isso, sou capaz de juntar na minha lista de preferências livros tão diferentes quanto Sagarana de Guimarães Rosa e A Peste de Camus. Ou filmes, como A Outra História Americana, de Tony Kaye, que tem uma fantástica atuação de Edward Norton, e Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera, de Ki-duk Kim.

Os livros citados foram lidos na adolescência, junto com os tantos de espionagem que eu adorava e aqueles da série Vagalume que marcaram a minha geração. Com Sagarana, descobri prazer numa leitura mais lenta, aprendi a valorizar a linguagem e a arte do texto. A Peste me fez pensar como nunca, e acabei envolvido pelas questões do Doutor Rieux e do Padre Paneloux. O livro de Camus, aliás, é um dos raros que li duas vezes, em tempos diferentes, mas com emoções parecidas.

Nos tempos de estudante de engenharia, e mesmo nos primeiros anos de formado, muito dedicado aos estudos e ao trabalho, foi mais fácil optar pelos filmes e também pelos contos. Naquela época, em que li toda a coleção Mar de Histórias e misturava Mia Couto com Raymond Carver (um dos poucos que me fez chorar), assisti ao filme de Tony Kaye. A violência que fazia algumas pessoas abandonar o cinema não tirou minha vontade de aplaudi-lo de pé. Mesma sensação de deslumbre que tive em casa com o filme coreano.

Em meio às coletâneas de contos, ainda antes de minha filha nascer, voltei a buscar leituras mais longas: Crônica de uma Morte Anunciada, de García Marquez, me trouxe de volta a vontade de escrever; Memorial do Convento, de Saramago, a leitura de romances; e O Senhor dos Anéis, as madrugadas insones.

Nenhuma das preferências relacionadas até aqui, porém, falam tanto de mim quanto os livros que gostaria de ter escrito e os filmes que gostaria de ter feito. Tentando fazer uma lista deles, deparo-me com um perfil curioso: sou judeu e argentino. Amós Oz, Jonathan Safran Foer e sua mulher Nicole Krauss provocam em mim a urgência de mergulhar na história da minha família, especialmente a que está ligada às raízes católica e francesa. Por outro lado, é à maneira argentina dos filmes estrelados por Ricardo Darín que gostaria de construir meus diálogos e caracterizar relacionamentos.

Pantera no Porão, de Oz, Extremamente Alto e Incrivelmente Perto, de Foer, A História do Amor, de Krauss, e o filme Kamchatka têm em comum o ponto de vista da criança curiosa que ainda sou. Ela é protagonista ou narradora de quase tudo o que escrevo.

domingo, 3 de março de 2013

Abobrinhas

Na noite de domingo liguei a televisão para assistir ao Oscar sem ter visto qualquer um de seus principais concorrentes. Confesso que sinto muita falta de ir ao cinema, ou de alugar três ou quatro filmes para ver no fim de semana. Tenho saudades também de me arriscar no Festival do Rio. Enquanto Alice esteve na rotina comer-chorar-dormir, eu ainda conseguia ver os filmes quando eram lançados em DVD, alguns sem a companhia da Nane. Quando começaram as festinhas infantis, nem isso. Agora só vamos ao cinema com ela, ou seja, dos indicados para o prêmio em 2013 vimos apenas os candidatos a melhor animação Valente e Detona Ralph, o curta Paperman, além dos nossos heróis da Terra Média e também os Vingadores. Isso porque felizmente Alice não tem medo de Orcs e cresceu tanto que já suspira pelo Thor.

Um dos raros momentos que temos para colocar alguns desejos em dia é o carnaval. Entrincheirados em casa por causa dos blocos e do calor, este ano acabamos descobrindo que só Netflix pode nos salvar ou, pelo menos, diminuir o enorme atraso. Dentre outros, vi com Nane o lindo filme japonês A Partida, vencedor do Oscar em 2009 e com Alice, A Felicidade não se Compra, de Frank Capra, indicado em... Vamos ao que importa: apesar da temática adulta, do preto e do branco, ela prestou atenção até o fim, entendeu o que bastava.

Voltando ao domingo passado, antes da cerimônia de premiação começar eu me perguntava para quem iria torcer. Afinal, tinha que encontrar alguma motivação para perder algumas horas de sono no início da semana. Apesar de não ligar muito para musicais, pensei em vestir a camisa azul por Jean Valjean e todos os miseráveis franceses. Outra opção eram os bastardos inglórios de Tarantino – vou sempre torcer por eles, mesmo que o nome do filme seja outro. Perdido entre miseráveis e bastardos, cogitei ainda vibrar com um Oscar para Haneke, mas que não fosse o de filme estrangeiro: presente de meu pai, Kon Tiki foi um livro inesquecível que devorei há muitos anos. Para melhor ator, não consegui escolher, embora ache que Denzel Washington precisa ganhar mais alguns para compensar os que perdeu com Hurricane e Malcom X.

No fim das contas, estava mesmo precisando fazer um pouco de coisa nenhuma. Enquanto Alice dormia e Nane trabalhava, eu escrevia abobrinhas na Oscar Conference da minha amiga Aninha no Facebook. Não fossem os amigos (neste caso, as amigas do Bradley, que foram bastante compreensivas com a falta que Scarlett me fez), teria dormido muito antes do fim. O ano precisava recomeçar assim, às duas horas da manhã, sem pretensões. E o blog precisava de um texto mais leve para deixar para trás os momentos tristes e tensos de janeiro.