domingo, 24 de janeiro de 2010

Os Monstros de Alice

Boo! Alice nunca teve problemas com o Mike, Sully ou mesmo Randall. Ela gosta muito da Imperatriz da História sem Fim, mas não esconde a tristeza quando Atreyu fere mortalmente o lobo. Em sua primeira crise de identidade, disse que não gostava de seu rosto. Eu quero um rosto igual ao da Hermione, mãe. No entanto, Alice não nega sua paixão pela desvairada Bellatrix.

I’m very scared for this world

Levamos Alice para nos ajudar a descobrir onde vivem os monstros. Tive que assinar um termo de responsabilidade para entrar com ela no cinema. Ok. O filme é para adultos que se divertem se escondendo na cabeça do John Malkovich. O filme trata da nossa essência selvagem. Mas ela não tem medo e é capaz de entender o que basta para sua idade. Max tem um acesso de raiva e chega a morder a mãe. Ele tava fazendo pirraça, né? Pena que não viu a metade final. Febril, acabou adormecendo no colo da Nane.

Here’s a scene
You’re in the back seat laying down

Alice estava no carro quando um motoqueiro irritado socou o retrovisor do vovô. As motos foram talvez os primeiros monstros. Depois veio o Barney. Ou melhor, alguém vestido de Barney numa festa. E outros vestidos de Pablo e de Tasha. E mais ainda, no palco. Quero sentar bem longe, pai. Ela sempre soube que havia gente ali (nós mostramos, ela viu).

I think about this world a lot and I cry
And I’ve seen the films and the eyes

Agora Alice tem medo de sangue. Sobra também para quem sangra no cotovelo ou aparece com o olho roxo. Ela sabe que a violência dói na alma também. Evitamos falar de sangue. Vamos, então, pra casa da vovó? Não, por ora, Alice não quer. E da outra vovó? Também não. As vovós que venham até aqui. Ela está com saudades, mas quer ficar em casa.

She is so young and old
I look at her and I see the beauty

Você vai morrer papai? Você vai morrer mamãe? Eu não quero ficar velhinha. Filha, estamos aqui.

Os monstros de Alice batem, choram, sangram e morrem.

...you are everything

domingo, 17 de janeiro de 2010

Carta para Alice

Alice,

Faz tempo que quero escrever para você. Contar minhas histórias, expor minhas idéias e minhas angústias. Tudo para você ler um dia. Até hoje, porém, apenas em pensamento escrevi e reescrevi os primeiros parágrafos. Repetidas vezes, no caminho de volta do trabalho, contei pra mim mesmo sobre o dia em que você entrou em casa pela primeira vez.

Tentando ser preciso, acho que foi no dia 11 de novembro de 2004. Dia em que sua mãe abriu a porta com um sorriso improvável. Um sorriso enorme, do tipo que começa nos olhos. Era dia de semana e ela ainda dava aulas de inglês. Chegava tarde, depois das 9h da noite, muito cansada... por isso, o sorriso era improvável. E o sorriso começava nos olhos porque você era parte dele. Eu sequer desconfiava.

Sua mãe parecia excitada, radiante... você estava nos nossos planos há alguns meses. Mas aquele era também um mês improvável. Mês de um amor só, de uma única chance para você nascer. Sua mãe estava excitada, radiante... tinha guardado pra si, durante quase uma semana, o resultado do teste de farmácia e a expectativa da confirmação.

Quando sua mãe abriu a porta, vi você chegar. Mas não sabia que era você. Ela se sentou no sofá sem desfazer o sorriso. Disse que tinha um presente pra mim. Um dia antes, ela tinha me dado outro presente. Um daqueles presentes sem motivos, sem embrulho e, talvez por isso, delicioso. Era um livro (diferente apenas porque tinha sabor). Segundo ela, daquela vez, o presente vinha embrulhado e só poderia ser desembrulhado dali a alguns meses.

Ela precisou colocar o dedo no umbigo para ficha cair. “Está aqui”. Você não sabe o que é ficha, né? Era uma moedinha que a gente usava para telefonar da rua. E a ficha, naquele dia, era a peça do quebra-cabeça que faltava para o bobão aqui entender que seria pai e que nós seríamos três a partir de então.

Demorei mais de cinco anos para escrever. Tempo suficiente para lembrar os detalhes daquele dia. Tempo suficiente para o texto amadurecer por aí e esperar pela sua leitura. Por tudo isso, temos que agradecer a um certo pai crônico.

Ainda assim, acho que demorei muito tempo para escrever sobre o dia em que você abriu a porta de casa pela primeira vez; sobre o dia em que sua mãe chegou às 9h da noite de um dia comum como a mulher mais feliz do mundo; sobre o dia em que eu soube que seria seu pai.

Beijinhos.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Das Aventuras em Paraty

Escrever é uma aventura. Vivemos para contar, muitas vezes sem saber que caminhos escolher, quase sempre sem ter ideia de onde vamos chegar. Uma aventura precisa de gente. Em Paraty, temos 14 adultos, 7 crianças e muitas vontades para coordenar. Então vamos colocar toda essa gente numa pequena escuna e falar de uma segunda-feira de sol e chuva.

Escuna colorida, Paz e Amor. Muita gente branquinha com medo de sol. Alguma criança (a minha) com medo de peixe. Todos curtindo a paisagem, sem espaço (além do mar) para fugir das diferenças. E eu, torcendo para um navio pirata aparecer e tesouros encontrar. Só para contar uma aventura de verdade. Mas, voltando a realidade, vamos mergulhar.

Não se trata de mentira. Alice tem medo de peixe, mas aceita usar o papai de prancha para chegar à praia. Coragem momentânea. Porque os peixes estão lá e, se comem pão, ai de minhas perninhas! Diego é um jedi na água. Para ele, o macarrão laranja é uma speeder bike; o azul, um sabre de luz. O titio é o inimigo. Bad Guy. As crianças se esbaldam e eu chego à conclusão de que preciso de aulas com Mestre Yoda. É muita princesa, muito batom... Mau sapão!

Das praias e das ilhas, as fotos dizem mais que as palavras. Então, vamos voltar e esperar que caia sobre nós a chuva que vemos no horizonte. Água que traz frio, Paraty de volta e decisões equivocadas. Ainda debaixo de chuva, vamos quatro homens buscar quatro carros. Enfrentamos as ruas alagadas do estacionamento ao píer e, mais uma vez, as ruas alagadas no retorno à pousada. Desafiamos os paralelepídedos, que batem com força. Mal vemos os quebra-molas que nos desafiam.
 
Atravessamos o último trecho com água sobre as rodas, acelerando fundo em primeira marcha. E comemoramos, enfim.

Bruno acerta em cheio: a diferença entre os adultos e as crianças não está na intensidade da vibração, mas na expressão do desejo de repetir... “De novo!”.

Pra mim, chega.