quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Uma Conversa Inesquecível

A conversa foi no domingo.

Amarante saiu de casa carregando tristeza e solidão. Uma tristeza jamais sentida. Uma solidão agravada pelas circunstâncias: um grupo de trabalho muito restrito, uma turma de mestrado sem liga e a pandemia.

Sem opções, saiu de dentro de si para buscar os velhos amigos no mundo possível – o virtual.

De sexta para sábado, aproveitou-se de uma piada publicada em um grupo de amigos do colégio. E, de madrugada, encontrou socorro e ouvidos.

Em outro momento, já na tarde sábado, de repente, uma mensagem surgiu na tela do celular: sonhei com você! Foi o que bastou para se abrir, ganhar carinho e choques de sinceridade.

Amarante começou a entender, de novo, que os velhos amigos permanecem conectados, mesmo que a vida os afaste e uma tela os separe.

Sim, ele saiu de casa no domingo. Depois de chorar muito ao telefone no sábado, havia aceitado o convite para o almoço, abrindo uma rara exceção naquele estranho ano de 2020.

Foram horas de conversa entre três pessoas. Os dois melhores amigos e a esposa do anfitrião. Amarante recebeu mais do que esperava: amor em forma de diagnóstico. A análise foi surpreendente de muitas maneiras. As diversas hipóteses que faziam girar sua cabeça foram confirmadas, e acabaram se tornando, no fim da tarde, um rascunho de uma dissertação sobre quase tudo o que se passa com ele.

Naquele domingo, Amarante reencontrou o amor. E não foi só o amor deles pelo compadre e parceiro de outros domingos em que se reuniam em família para juntar as crianças. Foi o amor dela por ele, um amor que deu aos dois velhos amigos uma conversa inesquecível. Uma conversa que preparou Amarante para a outra, mais dolorosa, que se daria à noite, com a filha.

Todas as perdas de agora são importantes demais. Daquilo que lhe é essencial, sobraram a filha e a caneta. Por isso, a dor persiste e, às vezes, se sobrepõe à razão.

Amarante está longe de entender tudo o que sente agora, por que sente, e por que, afinal, ainda a ama. Teima, ou apenas não consegue deixar de desejar que haja um retorno. Tenta, ao menos, afastá-la do texto, deixando-a aparecer apenas no penúltimo parágrafo.

Também reconhece que tem medo do que será, do que virá; e nem por isso se sente fraco. É chão que falta, não força. Pressente que, quando acontecer, seja lá o que for, ele se lembrará daquela conversa franca e amorosa, e os anos serão recontados a partir daquele domingo.