segunda-feira, 27 de julho de 2015

A Rotina e o Conto

Agora, que o tempo sobra, descobri que ele não basta.

Não que a rotina que me impus seja um obstáculo. Ao contrário, enquanto fui guiado pelas horas da Alice, encontrei conforto. O problema é que as ideias, todas elas juntas, não cabem em tempo algum.

Pela manhã, ela fazia o dever de casa, eu lia, sem me incomodar com as interrupções por conta das dúvidas no dever de Ciências ou pela necessidade de estudar a conjugação dos verbos. Às vezes, aproveitava também para revisar com ela alguma matéria passada: ou desenhava o mapa do Brasil no quadro para recordar as regiões, alguns estados e capitais; ou pedia para ela escrever, em espanhol, os números por extenso.

Quando Alice trocava as tarefas pelo banho, eu aproveitava para cuidar das contas a pagar, verificar e-mails, continuar algumas conversas para permanecer em contato com o mercado de trabalho. Depois, seguia o ritual do caminho da escola: as mãos dadas, as figurinhas que ela queria comprar, os pequenos conflitos em sala de aula, o beijo de despedida e o mercado, indispensável para pequenas emergências.

Depois do almoço, que eu mesmo preparava, usava as tardes livres para escrever, voltar ao livro que comecei alguns anos atrás e à viagem que fiz à Normandia em 2014, até chegar a hora de buscar Alice.

Algumas vezes, joguei tênis. Outras vezes, dediquei minhas horas aos trabalhos dos cursos que escolhi fazer.

Com o início das provas bimestrais, porém, a tensão tomou conta do tempo. E com as férias, a rotina morreu. No meio dessa confusão, escrevi e publiquei um conto para o concurso Brasil em Prosa, da Amazon.

Recomeços foi concebido dois meses antes, inspirado em minhas perdas recentes. Conta uma história diferente da minha, mas revela sentimentos, vontades e dúvidas semelhantes. Da ideia inicial, só guardou a forma: frases soltas, ditas em conversas telefônicas, dão ritmo à narrativa e orientam as revelações do protagonista.

Publicar o conto no formato de e-book não chegou a ser difícil. Tomou uma tarde inteira, teve suas partes chatas, mas trouxe muita diversão. Graças aos amigos escritores que também resolveram participar do concurso, virou uma grande brincadeira divulgar, acompanhar as vendas e aguardar os comentários. Assim, acabei esquecendo o desconforto causado pela falta da rotina.

Se a maior recompensa da experiência de escrever é encontrar leitores, o resultado do concurso está sendo um sucesso. A quantidade de vendas do conto superou minhas expectativas, que eram baseadas nos acessos que costumo ter a cada texto publicado neste blog. E, dentre os novos leitores, a maior surpresa ficou por conta de uma garotinha de 10 anos, chamada Alice: Papai, você sabia que eu já li o seu conto?

domingo, 12 de julho de 2015

As Cerejas do Bolo Francês

Já tinha desistido de assistir a um jogo de Copa do Mundo no Brasil quando meu amigo Joaquim veio com a surpresa. A verdade é que não me empenhei muito para conseguir os ingressos. Apesar de gostar muito de futebol, o Fluminense sempre foi mais importante para mim que a seleção. Além disso, em se tratando de evento, sempre fui mais fascinado pelas Olimpíadas do que pelas Copas. Acho que, por isso, só entrei no segundo sorteio da Fifa e evitei as madrugadas na fase de vendas residuais.

Ainda assim, se pudesse escolher uma seleção para ver, os meus amigos sabiam que seria a França, sobretudo por causa do aniversário de 100 anos da minha avó, mas também por todas as vezes em que torci por Platini e Zidane, dois de meus jogadores preferidos. A partida contra o Equador na primeira fase parecia ser a melhor das oportunidades, já que seria no Maracanã, mas o presente que ganhei acabou me levando a Salvador.

Acordei antes da 6 da manhã, vesti a mais bonita das camisas azuis e chamei o táxi enquanto tomava café e comia um brioche com queijo. A caminho do Galeão, o taxista me perguntou se era bate e volta, segundo ele, fato comum naqueles dias de Copa. Joaquim e Antonio, seu filho, já estavam no aeroporto quando cheguei. Imbuídos do melhor sentimento que esses encontros podem proporcionar, eles levavam consigo bandeiras da Suíça e da França.

Desembarcamos antes das 10 horas na capital baiana, preocupados com o deslocamento até o estádio. O motorista que nos esperava nos tranquilizou. Contou que a cidade não estava muito cheia porque era feriado de Corpus Christi, e os soteropolitanos tinham aproveitado a data para curtir as festas juninas do interior. Tínhamos assim tempo de sobra para passear no Pelourinho e comer acarajé antes do jogo.

Ao contrário do Maracanã, que se tornou para mim uma arena acanhada depois da reforma, a Fonte Nova que encontramos parecia ter mantido as características de um grande estádio. Permanecemos sentados até a partida começar tomando refrigerantes caríssimos nos copos que acabariam como as únicas lembranças materiais daquele dia. Todas as outras, melhores e inesquecíveis, ficariam guardadas na minha memória – a começar pelo hino francês.

Joaquim entendia bem o que significava para mim estar ali, cantando a Marsellaise alguns dias depois do centenário da Mami – era o desfecho de uma comemoração que tinha começado numa viagem de férias menos de dois meses antes, quando levei minha filha a Paris pela primeira vez e, em seguida, desbravei a Normandia sozinho. Uma comemoração que me aproximava da história dela e de todos os significados que aquele hino me trazia: resistência, saudade, honra e orgulho.

As cerejas do bolo foram os gols marcados pelos franceses naquele dia, na incrível goleada de 5x2 contra os suíços.