domingo, 22 de janeiro de 2012

Aqui é o Metrô

Deixei o carro na garagem na manhã de sexta, feriado do padroeiro. Peguei o ônibus na Real Grandeza para atravessar o túnel e descer a Siqueira Campos recordando os tempos de escola, daquele último ano do primeiro grau, quando éramos quatro ou cinco andando pelas ruas na volta para casa. Saltei perto na estação do metrô para matar a estranha saudade de caminhar em Copacabana – gente demais, desordem demais para o meu gosto. Parei para tomar meio litro de mate com menta – fazia calor, também demais para mim. Virei na esquina da Nossa Senhora de Copacabana, em frente à praça, para experimentar as novidades de um roteiro quase esquecido. Entre a papelaria e o cinema Ricamar, que só existem na memória, encontrei um foco de resistência: o Traiteurs de France. Ali, no último desvio antes do meu destino, comprei uma caixinha de macarons para os meus pais.

Alice me esperava. Mais cedo, ao telefone, ela tinha recusado a conversa. Não queria voltar para casa, sequer me ouvir. O passa-fora no pai valeu uma bronca e uma ameaça: perder a oportunidade de saber quais eram os meus planos para aquele dia.

Deixamos meus pais depois de assistir a um desenho animado. Pegamos o elevador social porque o outro não funcionava. Subimos a Rodolfo Dantas contra a correnteza, contra o fluxo de quem se dirigia à praia para aproveitar o dia ensolarado. Caminhamos até a estação Cardeal Arcoverde, onde anunciei: aqui é o metrô, filha. Carregamos o cartão e passamos pela roleta. Tudo era novidade: a escada rolante pareceu longa demais e o túnel colorido... maneiro, pai! As esteiras estavam desligadas, e assim mesmo passamos por elas. Mais a frente, de outra escada, vimos o trem partir: aquele vai para Ipanema, expliquei. Sentamo-nos nas cadeiras brancas para esperar a nossa vez, que demorou tempo bastante para curtirmos o silêncio e a ideia de que estávamos dentro de uma montanha. Terminamos contando quantas pessoas embarcariam com a gente: éramos sete.

Alice estava se divertindo. Mais cedo, ao telefone, acabei perguntando se ela queria conhecer o metrô. Arrependida, ela mudou de humor. Ansiosa, pediu desculpas. Eu mantive a bronca e, claro, o roteiro da aventura.

O vagão nos deixou na estação seguinte. A viagem durou o tempo de uma explicação sobre as cores dos assentos – Alice estava pronta para oferecer os nossos lugares de cor laranja. O calor nos aguardava do lado de fora da estação e mereceu a trilha sonora que cantamos para atravessar o deserto: Ala-la-ô-ooô-ooô. O caminho das calçadas estreitas de Botafogo é aquele que percorro ao menos três vezes por semana; Voluntários da Pátria é a rua que Alice reconhece nas esquinas, nas lojas e na casa do mistério – a visita à Igreja de São João Batista ficou para o domingo.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Epifania

Foi uma decepção quando substituíram a surpresa pelo feijão. A irmã queria encontrar o anel da princesa; mas o gatinho de porcelana também servia. A avó francesa, que não comia feijoada, muito menos farofa, até fazia algumas concessões – a coroa vermelha do Medieval Times, por exemplo, durante muitos anos substituiu a dourada, que acabava rasgando com o tempo ou não era tão firme quanto deveria. Por isso, o consenso: feijão era demais, quase ultrajante. Antes fossem as favas de fato.

A Galette de Rois era comprada pertinho de casa, em Copacabana, e a celebração se dava no lanche do fim de tarde, depois que o pai chegava do trabalho. A mãe cortava as fatias e as colocava cuidadosamente nos pratos. Fazia sempre aquela cara de sonsa, de que não sabia onde estava a surpresa ou o feijão; como se estivesse procurando, chegava a cavoucar o recheio para disfarçar. Porém, a conspiração ia muito além da teoria, as duas crianças mais velhas tinham certeza.

Ficou óbvio quando começaram a aparecer convidados: o prato sorteado era daquele amigo que nunca havia participado da brincadeira. Ou, se fosse o caso da irmã levar o namorado, o feijão seria dela, claro. A princesa colocaria então a coroa na cabeça do consorte, momento que valia também a cara de decepção do pai, o presunçoso rei do pedaço. O irmão mais velho achava graça, enquanto raspava o recheio e deixava as casquinhas de lado.

À namorada, o rapaz teve que avisar: fazia parte do pacote pagar micos como aquele e o convite era quase uma intimação. Escolhida rainha, ela acabou gostando da ideia, tanto que se casou com o tal, um nobre franco-tupiniquim de meia tigela.

Neste 6 de janeiro, em sua própria casa, atrás de uma sobremesa, ele encontra meia romã sobre a pia da cozinha e sente falta da avó sentada à cabeceira dirigindo a cerimônia. Lembra-se do irmão mais novo, temporão, e dela tentando equilibrar a coroa entre bochechas para uma foto. E também da estreia da filha, que girava os olhos sem quase mexer a cabeça, tentando entender os motivos daqueles singelos sorrisos a sua volta, os mesmos que ela vê agora refletidos no rosto do pai enquanto aguarda impaciente o doce que pediu.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Catapluft

Deitei a mão esquerda sobre o despertador ao primeiro toque, a palma acionando a função soneca para prolongar a minha preguiça por mais 8 minutos. Porém, ao mesmo tempo, o polegar consciente empurrou o botão que desligava o alarme e abriu o parêntese.

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Naquela época, eu tinha uma pequena tarefa a cumprir e, àquela hora, o aparelho conseguia tirar-me da cama, coisa que nem o choro da criança conseguia fazer nas horas escuras da madrugada. Às 7h30 eu me levantava, ia ao banheiro e dali para o quarto dela, um bebê ainda, que costumava abrir os olhos assim que eu entrava e fazer alguns muxoxos depois de me ver.

Ela já sentava, não falava e, por isso, nós nos surpreendíamos a cada dia com a capacidade de compreensão daquela pequena criatura. Eu já sabia que os bebês se sentem seguros com os rituais; então dizia sempre assim, depois do sorriso e do bom dia: vamos trocar a fralda, minha filhinha. Entre a pergunta e a afirmação, era uma espécie de convite que chegava de braços esticados, os mesmos que a levavam para o trocador.

Lá, ficava sentadinha, esperando uma palavra mágica: catapluft era a senha para ela se deitar com a ajuda das minhas mãos, e o aviso de que a desagradável seção de limpeza estava para começar. Era, de fato, uma invasão e eu me sentia na obrigação de pedir licença. Assim, eu antecipava todos meus movimentos: vou tirar a fralda, fofinha; agora é hora de limpar o bumbum... Também não me esquecia de repetir meu pai: fazer um sanduíche de pezinhos com manteiga, queijo e presunto para tascar uma suave mordida.

Tarefa cumprida, colocava meu bebê no colo e íamos até a porta do quarto, onde conversávamos com a bonequinha de cabelos amarelos e vestido lilás, que está ali até hoje, pendurada no banquinho, logo abaixo de uma placa que marca o território com o nome dela. Eu costumava repetir as sílabas para a minha filha enquanto o meu indicador percorria as letras e fechava o parêntese.

)

Como eu ia dizendo, deitei a mão esquerda sobre o despertador... e cumpri os passos da minha tarefa rotineira até colocar Alice sentada no trocador. Naquele dia, quando anunciei o catapluft, ela não esperou pelas minhas mãos: abriu um sorriso e se jogou para trás.