domingo, 18 de agosto de 2013

Lições de Amsterdã

Chegamos a Amsterdã no fim de um domingo e logo sentimos a diferença. Não há tantas placas assim, a língua é estranha, mas em todo canto tem um balcão de informações, onde alguém de bom-humor e em ótimo inglês faz de tudo para ajudar. Seguindo as instruções, pegamos o trem e saltamos na primeira estação para fazer a baldeação.

Dali, a viagem seguiu pela linha 1 do tramway até bem perto do hotel. Logo que saímos, arrastando as malas que já vinham mais pesadas com os vinhos italianos, começamos a reparar que cada uma das pistas da larga avenida servia a um meio de transporte diferente: carros, bicicletas e os próprios tramways, que curiosamente dividiam seu espaço com os táxis.

O hotel era, na verdade, um Bed and Breakfeast discreto, embora muito bem localizado. Antes mesmo de tocarmos a campainha, uma moça esbanjando simpatia abriu a porta dizendo que já estava esperando por nós. Ieke não se deu ao trabalho de checar qualquer informação pessoal. Subimos as escadas até o segundo piso do Flynt, onde ficavam três quartos, a cozinha e a mesa do café da manhã. Em quinze minutos, ela deu todas as dicas possíveis e, a meu pedido, indicou o restaurante onde acabamos jantando.

Ao longo dos dias fizemos quase todos os passeios óbvios. Sobretudo para quem dispensa os áudio-guias, o Museu Van Gogh, por exemplo, beira a perfeição no que diz respeito à informação e à comunicação visual. Para cada quadro, há uma história. Se o objetivo é mostrar as influências de outro pintor, há dois quadros: um de Van Gogh, o outro do colega. Se tirar fotos é proibido, a sinalização é precisa e específica. Na Casa de Anne Frank, por outro lado, somos envolvidos por um roteiro de intolerância, medo, ceticismo e lágrimas. Ao final do itinerário questões sobre preconceito nos fazem pensar, e as únicas respostas possíveis (yes or no) nunca parecem suficientes; em alguns casos, nem mesmo definitivas.

Desde a primeira vez, em 2010, quando passamos por Haia, Delft, Keukenhof, Kinderdijk e visitamos uma recém-nascida em Helmond, a Holanda nos ensina muita coisa. Por isso, fiquei obcecado pela foto que não tirei desta vez.

No segundo dia, pela manhã, pegamos um tramway até a Estação Central de Amsterdã e depois um ferry-boat para chegarmos ao EYE Filmmuseum. De lá, é possível assistir a uma grandiosa lição de coexistência e integração. Além da visão óbvia dos trens, tínhamos os enormes estacionamentos de bicicletas, os carros que chegam, os ônibus que partem; e, na água, diversos tipos de embarcação, dos bateau-mouches cheios de turistas aos navios de carga que seguem em direção ao porto.

Não tirei a foto, mas como não quero esquecê-la, resolvi escrever sobre ela, porque a minha cidade precisa de exemplos assim.

domingo, 4 de agosto de 2013

A Pequena Cinéfila

Alice ganhou um iPod de aniversário, e uma de suas mais novas diversões é brincar com o aplicativo do IMDB. Ela procura pelo filme a que acabou de assistir, identifica uma determinada atriz, por exemplo, e passa o tempo descobrindo em que outros filmes ela atuou. Foi assim com Catherine O'Hara: depois que vimos Beetlejuice, digitou “Fantasmas” e deu com Esqueceram de mim.

Aproveitando suas férias, preparamos uma programação de filmes que julgamos adequados para a idade dela, dando preferência ainda às nossas melhores lembranças de infância. Alguns deles, claro, adequados apenas com a nossa orientação. O próprio filme do Tim Burton, aliás, está longe de ser óbvio para uma criança de oito anos.

O que me deixa muito feliz é que Alice topa qualquer coisa. Mesmo que nem sempre pareça conectada à história, enfrenta ritmos e temas diferentes sem rejeições. No fim das contas, vale a pena arriscar. Por isso, fico mais tranquilo com as suas pequenas manias, como a Violetta, série do Disney Channel que faz questão de ver todos os dias – por causa da protagonista, sua mais recente obsessão é conhecer Buenos Aires.

Uma das experiências mais interessantes que tive com ela foi assistir a um filme iraniano chamado Filhos do Paraíso. À cena inicial do sapatinho, cujo conserto dura mais que o suficiente para uma criança pouco habituada à poesia, reagiu assim: É só isso? Não vai acontecer nada, pai? Pedi que tivesse paciência e fomos juntos até o fim. O filme é excelente, traz com simplicidade lições muito positivas e oferece também a oportunidade de contato com uma cultura e uma realidade econômica bem diferentes das que ela tem.

Outra de minhas tentativas foi Kamtchaka, filme argentino de que gosto muito. Para ela, o exército era a polícia, e quis entender por que a família estava se escondendo já que a função da “polícia” era protegê-los. Expliquei à minha maneira, evitando sentenças definitivas que pudessem alimentar a sua insegurança. Sobre a última cena, quando os pais se despedem dos filhos, Alice concluiu sozinha que eles nunca mais se veriam. Quis confirmar, e eu preferi não criar ilusões.

No fim de semana passado, da visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro, Alice me encheu de porquês durante a exibição de Irmão Sol, Irmã Lua e deu muitas gargalhadas com Mr. Bean. Ontem, depois de uma passadinha na Livraria Cultura, fomos a uma sessão infantil do Anima Mundi no Odeon. Hoje, ela é a minha melhor companhia.