sábado, 30 de abril de 2011

Lanterna sem Pilhas

Há alguns anos virei as minhas costas para tudo o que diz respeito à política. A minha leitura sobre o assunto nos jornais se restringe às manchetes. Em época de eleições, não assisto ao horário político obrigatório nem a debates. Sair de casa para votar é uma tortura e votar em branco, minha opção preferida. Antes de tratar da minha aversão, que já não é tão recente assim, é interessante contextualizar a minha formação política.

Nasci em 1974. Vivi meus primeiros anos de estudo na década de 80 – anos de anistia e redemocratização, de mobilização pelo voto direto, da formação de uma nova assembleia constituinte. No ambiente escolar, política e futebol me traziam o mesmo sentimento: solidão. Era o único tricolor da turma e o único com influências políticas à direita e contra o fluxo da opinião comum da época. As influências eram paternas, de formação conservadora, de militância intensa na juventude, de experiências de censura e perseguição quando fazia oposição aos governos de Getúlio e JK.

Na escola fiz o meu melhor amigo. E a amizade de duas crianças fez o impossível: reuniu numa mesma mesa o Clube da Lanterna e o PTB. A relação de respeito logo se transformou em amizade: Paiva foi um dos poucos convidados no jantar de aniversário de 50 anos do meu pai. De repente, a política começava a fazer sentido para mim e, na sala de aula, eu aprendia uma palavra que também fazia sentido: bem-comum.

Naqueles tempos, o sangue de meu pai fervia quando a nossa professora de história passava trabalhos que provocassem o debate político. Mesmo que tivesse razão ao criticar, por exemplo, um trabalho sobre os CIEPs às vésperas de uma eleição, ele exagerava na crença da conspiração. Antes de tudo, os trabalhos despertavam o senso crítico, formavam cidadãos e eu não me sentia tão sozinho assim.

Os anos foram passando e também a sensação de que eu (ou meu pai, num primeiro momento) estivesse errado em minhas (suas) convicções políticas. Aos poucos, fui colocando cores diferentes nos meus votos e prestando atenção em outros discursos. Contudo, a sopa insossa de letras partidárias aqui no Brasil fez com que eu buscasse referências políticas nos indivíduos e não em causas traduzidas por siglas, que perderam força com o tempo. Indivíduos que, no fim das contas, se revelavam muito parecidos entre si.

Houve ainda outro episódio de alento envolvendo Amaral Netto, que era amigo de meu pai, e uma figura intocável na mídia, com posição política absolutamente adversa. Depois de uma aproximação difícil, com grosserias de parte a parte, houve consenso que o projeto social proposto merecia alguma atenção. Ainda assim, foi pouco e o distanciamento se tornou aversão.

Em Verão, de J. M. Coetzee, na resposta de uma entrevistada ao suposto biógrafo do escritor sul-africano, encontrei uma boa definição para minha relação com a política. Sobre Coetzee, ela diz: “Não, não apolítico; melhor dizer antipolítico. Ele pensava que a política despertava o que havia de pior nas pessoas. Despertava o que havia de pior nas pessoas e também trazia à tona as piores figuras da sociedade. Ele preferia não ter nada a ver com isso.”

Em outro momento, ela diz também que “Na visão de Coetzee, nós seres humanos nunca abandonaremos a política porque a política é tão conveniente e tão atraente quanto um teatro em que damos vez às nossas emoções mais vis. Emoções mais vis significando ódio, rancor, despeito, inveja, sede de sangue e assim por diante.” Eu complemento dizendo que ainda estamos longe do dia em que os homens entenderão política como serviço absolutamente desinteressado, baseado em sentimentos de amor, respeito e tolerância.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Horas de Estrada

Rob Halford e Troy Bolton batem boca. A disputa acontece entre a música que toca no painel do carro e o filme que distrai a criança no banco de trás. Embora a distração não a impeça de perguntar se estamos perto de casa e de ensaiar um drama quando a resposta é negativa, devo reconhecer a sorte que temos. Meus pais tinham que reinventar passatempos. Com o DVD, nós podemos nos concentrar na água que bate forte no vidro, na frequência do limpador de para-brisa, nos carros que vão e vêm. E quando estes levantam água do chão e obstruem a visibilidade... Que legal! Sharpay acha um barato.

Obras a 27 quilômetros: a chuva dá uma trégua na violência, mas a lentidão do trânsito aumenta pouco antes da serra. O carro hesita, a embreagem trabalha como nunca e nós precisamos fazer xixi.

Nos intervalos de tensão, penso nos pardais. Parece poesia, mas é a indústria da multa que me irrita. Conto os carros que trafegam impunes pelo acostamento e não vejo vantagem na fiscalização pontual de velocidade. Pardal podia ser qualquer um assobiando, com capa de chuva e bloquinho na mão, anotando as placas dos malandros que pegam o atalho proibido ou costuram sem se preocupar com a vida. Não precisaria de mais de uma hora para o fiscal atingir a meta do dia.

Penso de novo na sorte. Quando criança, era uma Brasília bege que nos levava por aí sem ar condicionado. Nela, conheci as capitais do mundo, de Tóquio a Tegucigalpa, em viagens longas até Porto Alegre ou Salvador. Aprendi outras coisas também com os passatempos do meu pai, quase sempre um jogo sem tabuleiro, que preparava meu futuro nas gincanas do Sebastian Bar. De repente, acho que Alice pode estar perdendo uma boa oportunidade de jogar adedanha. Mas se Grease dá lugar aos Wildcats que dá lugar a Tim Burton, tenho certeza de que ela está se divertindo. Enquanto Alice, a outra, toma chá com o chapeleiro e se esconde no bule, a minha Alice inventa uma história.

Lea se junta ao Luke Rapidinho para enfrentar o inimigo Ráuli Devagar (ou Hauly, não sei). Ela diz que foi George Lucas que inventou o novo conto estelar e Chewbacca é o coelho. Lembra então que ele escondeu os ovinhos em casa, que está anoitecendo e não vai dar tempo de procurá-los. Não vai dar tempo também de lavar os cabelos. Drama, de novo.

Nane aumenta o volume: Bono discute com a Rainha de Copas.

domingo, 10 de abril de 2011

A Presidente

Era uma vez uma formiguinha. Nasceu de um poema que escrevi há mais de quinze anos. Era assim diminuta e trabalhadeira. Não parava quieta. Era mãe dos nossos tempos de criança, um tanto dona-de-casa, outro tanto professora; casada com um homem dezessete anos mais velho, de tempos ainda mais remotos. Parou de trabalhar no Banco quando eu nasci, o mesmo em que ela conheceu meu pai (ela caixa, ele cliente). Voltou mais tarde, nas salas de aula. Além dos três que tinha em casa, era assim mãe de outros filhos também. Faltava o diploma, contudo. O sonho tinha sido adiado muitas vezes. Porque ser mãe é abdicar de sonhos íntimos para compartilhar realizações. E ser gente é perder para ganhar. Mas perder não é necessariamente para sempre.

O poema que escrevi foi lido em um dos discursos de sua posse. Poderia ter sido relido no discurso de formatura, se fosse um evento de uma só pessoa. A presidente veio antes da pedagoga, porque a formiguinha trabalhou muito antes de voltar a sonhar. Ela e meu pai sempre tiveram vida social intensa. Começaram com Encontro de Casais e continuaram como leões. Agora repito: minha mãe é dos nossos tempos de criança. Quando ajudaram a fundar o Lions Clube Glória, só os homens participavam das reuniões. Eles eram companheiros leões e as mulheres, gentilmente chamadas de domadoras. Transição completa, elas se tornaram companheiras leão. Mamãe foi a primeira mulher presidente do seu clube.

Alice estava na barriga quando a futura vovó pegou o canudo. Os anos de estudo não foram fáceis. Muito curiosa foi a inversão de papéis: Neidinha ligava pra mim depois das dez (ela nunca dormiu tão tarde como nos tempos de faculdade), reclamava da rigidez de um certo professor ou da prova ruim que tinha feito (da mesma prova ruim em que ela tinha tirado oito e meio). Cabia a nós, filhos, ouvirmos e incentivarmos. E a dissertação de final de curso foi então uma novela mexicana, em que o meu pai era o galã à moda antiga... eu ajudo, eu reviso, eu resolvo.

Neida é a formiga que já foi presidente, estilo doce e dedicada, e é pedagoga, estilo mãe de muitos filhos, do tipo preciso respirar. Os meus versos diziam, e se repetem hoje, assim:

FORMIGA-MÃE

Sabe a formiguinha?
Que nasceu faz pouco tempo
Que andou em pouco tempo,
Continua andando...
Muito brava e corajosa,
Continua buscando...
E tanto andou
Tanto buscou
Que acabou crescendo:
Virou formigona.

Sabe a formigona?
Que nasceu ainda agora
Que perdeu-se há dois minutos,
Continua perdida...
Hesitante e cheia de dúvidas,
Continua buscando...
E tanto tentou
Tanto aceitou
Que acabou recompensada:
Hoje é rainha.

Sabe a rainha?
Que tanto compreende
Que tanto sofretorce,
Ela é mãe!
(De tanto sobreviver,
Por tanto lutar)
E cria várias formiguinhas,
Que nascem felizes
Mas vivem tristes
Iguaizinhas àquela
Que começou esta história.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Maratona e Treinamento Jedi

Ao ver o pórtico de entrada do estacionamento, caiu a ficha. Vibraram os gritinhos e as palmas da Alice. O parque estava muito cheio. Não chegava a estar calor, mas o sol queimava o cocuruto. Os minutos de espera ficavam próximos ou além da hora. Enfrentamos as filas daquele dia para tirar fotos. Jasmine e o abraço apertado do Tigrão foram um belo começo. Encontrar o titio Pooh (meu irmão camarada), melhor ainda. Se Rapunzel tinha um cantinho só para ela, as outras princesas ficaram para o fim da tarde, na maior das esperas daquele dia e quando a bateria da câmera já tinha acabado. Fotos no celular, então; ou, no site da Disney, onde o download custa exatos... esquece! Felizmente lá estava Ariel, a preferida. Mas a nossa Alice queria mesmo encontrar a outra Alice – essa foi a solitária frustração da menina em toda a viagem.

Chegamos perto das 10h e saímos 12h depois. Desafio para profissional, para Jedi maratonista. Nossos pés latejavam, a batata da perna reclamava, o cangote nem se fala. Eram 20h30 e, sempre de pé, estávamos em frente ao castelo da Aurora assistindo ao show de fogos, num dos momentos preferidos da Alice: Sininho voando nos céus de Anaheim. Sobre os meus ombros ela continuou na apresentação seguinte, perto da ilha de Tom Sawyer. Revezamos. Pra cá, pra lá, e a doce filhota compensava o nosso esforço narrando o que não conseguíamos ver: chegou o Mickey; a bruxa; agora o barco, com aqueles dois do filme da Alice... aliás, uma das diversões do dia foi remar, dar a volta na ilha dentro de uma canoa. Haja braço também!

O treinamento Jedi aconteceu no início da tarde. Nane e Alice se sentaram no chão junto com as outras crianças. Depois de muito alvoroço, algumas foram selecionadas para aprender a lutar com o sabre de luz. A aula só foi interrompida com a aparição da turma do lado negro da força: Darth Vader (Alice adora) e Darth Mau (assim mesmo, como o lobo). O primeiro desafiou os aprendizes e o segundo optou por distribuir caretas para os espectadores. O olhar compenetrado daqueles que enfrentavam o homem de preto só não era mais impressionante que a diferença de altura entre ele e os pequeninos. Fiquei procurando, mas o Yoda apareceu apenas disfarçado de mochila nas costas de algumas pessoas.

Intervalo para descanso no sábado de comprinhas e reencontro. Alice parecia um zumbi até ganhar um tênis rosa reluzente e, no Farmer’s Market, elegeu Fernanda sua nova melhor amiga.

Mas a maratona continuou no domingo. Em Buena Park, para nós, e em Los Angeles, para os que têm fôlego.