quarta-feira, 14 de abril de 2010

Chuvas Esparsas

No táxi, com fome:

Estamos há 36 horas sem luz. Tudo o que tinha na geladeira estragou. Os ovos... Mamãe, meu ovo estragou? Não, filha. Ovo de chocolate não estraga. Tô falando dos ovos de galinha, que a gente faz mexidos. Ah! Meus ovinhos estragaram? Aqueles que o coelho trouxe. Não, já falei. Foram os ovos de galinha. Tá. Mãe, o ovo que a Tia Domi me deu estragou?

Na sala, deitados no colchão, enquanto a chuva pinga no quarto:

Você sabe qual o santo para fazer voltar a luz? Cobra Coral não tá com nada... Deve ser São Teobaldo (não sei porque lembrei-me dos tempos de faculdade, ouvindo a Jovem Pan no carro: Teobaldo morreu, Teobaldo morreu). Estou me sentido no dia da marmota. Tédio. É... o santo a gente não sabe, mas acho que você descobriu o Patrono, Gina. A marmota, Harry?

Ao telefone, colecionando protocolos:

Boa noite. Estamos há quase 2 dias sem luz. Agora, sem água também porque a bomba não funciona. Vocês já sabem qual é o problema, qual a previsão para a luz voltar? Não, senhora. Não temos como saber. Nós só anotamos a reclamação e passamos para outra área. Mas posso adiantar uma coisa: deve ter sido por causa da chuva. Ah! Isso eu já tinha concluído sozinha. A senhora quer anotar o número do protocolo?

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Riders on the Storm

O mundo está acabando. Acabei de ler no jornal que um senhor sul-africano, que teve seu irmão – um líder de ultra-direita – assassinado por um negro, disse não serem eles racistas. Eles acreditam na pureza da raça. Devemos avisá-los que, quando a cidade do Rio faz jus ao nome – ou seja, transforma-se num rio depois de um temporal – corpos de todas as cores bóiam do mesmo jeito. E a pureza, esta fica escondida em algum canto do coração, enquanto ele insiste em bater. Em baixo da pele, só osso.

Não para de chover. Estamos sem luz desde as 9h da noite de ontem, estamos ilhados por aqui. A bateria do notebook míngua. Eu não sei se consigo terminar de escrever. Mas, tenho certeza, os Cavaleiros do Apocalipse estão por aí. Nunca vi nada igual. Quando saí do trabalho ontem no Centro, fui ao Jardim Botânico e voltei a Botafogo inteiro, sem grandes dificuldades. Depois de ver a São Clemente virar canal, achei que o pior tinha passado. Nada. A luz se foi. A chuva aumentou e continuou crescendo pela madrugada. Acordei ansioso no meio da noite. Na esquina da Voluntários com Real Grandeza passava um rio de água barrenta. Meus traumas dos primeiros anos morando aqui não me deixaram mais dormir. Para não ouvir os pingos insistentes de alguma infiltração, coloquei os fones no ouvido. Quarenta minutos depois, adormeci ouvindo o eco: Riders on the Storm... Riders on the Storm.

De manhã, após noite mal dormida, corri para a varanda. Na Real Grandeza, também não via asfalto. Era água barrenta. Poucos ônibus se aventuravam por ela. O silêncio impressionava. Voltei para cama com a pergunta me esperando: A luz voltou? Não sei. Sei que não dá pra sair de casa. O silêncio foi quebrado antes das 9h, quando pedestres já caminhavam pela nesga de asfalto que surgia. Ainda tem automático, dizia alguém que tentava vender o último guarda-chuva. Um bravo, pois o artigo já era inútil.

Ligamos o radinho de pilha. Redescobrimos o radinho!

Céus! A cidade está um caos. Não saiam de casa. Orientação do prefeito. Um taxista vai dar entrevista. Ele está desde 2h30 da manhã com o mesmo passageiro e a conta já soma R$170,00. Um abrigo de velhinhos foi interditado pela Defesa Civil. Ficaram todos mais de 2h na chuva, até que um vizinho os recolheu.

Agora venta. Surge o temido ponto de infiltração no quarto. A Light anota as reclamações e gera protocolos. Surge um ponto de exclamação no canto inferior da tela. É a bateria que grita. Não tenho escolha a não ser o silêncio até que...