O futebol morreu pela primeira vez quando meu pai brigou com
o porteiro do prédio. O ingênuo funcionário não sabia que ensinar o hino do
Flamengo para o meu irmão de 4 anos era um crime muito grave.
Morreu de novo quando o pai de um amigo da escola achou que
era divertido pilhar o meu velho depois de um copo de uísque. Não, nunca houve
agressão física, mas aqueles olhos vermelhos e o tom de voz ameaçador sempre me
assustaram. No entanto, o futebol era o melhor programa que eu, um menino
introspectivo, tinha com o melhor amigo (claro, o meu pai).
Até chegar à faculdade nunca tive muitos amigos tricolores.
O sentido de minoria para mim sempre foi algo palpável graças ao futebol. Por
outro lado, na turma da engenharia civil da UFRJ, por milagre, tinha até Fla x
Flu nos churrascos. Assim, o futebol sobreviveu durante algum tempo.
O futebol voltou a morrer pouco antes de eu me casar. O
fanatismo da família, eu incluído, sempre incomodou a Nane. Fomos uma única vez
juntos a um jogo (Fluminense x São Paulo, nas Laranjeiras) para nunca mais. No
nosso casamento, cuja festa se realizou no salão nobre do clube, o hino do
Fluminense foi proibido. Uma decisão tomada pelo casal e respeitada por todos
os presentes. Foi uma vitória do bom senso.
O nascimento de Alice me afastou ainda mais dos estádios,
mas foi a proximidade com a política do clube que matou o futebol pela quarta
vez. Conselheiro por dois mandatos, deixei de ir progressivamente aos jogos até
a fatídica Libertadores de 2008 – uma exceção, recompensada pelos últimos
momentos mágicos que vivi.
Depois, a bola se limitou a rolar online ou em pequenas
comemorações com os amigos. Nem os títulos brasileiros de 2010 e 2012 foram
capazes de mudar essa situação. A ida ao Maracanã se tornou eventual. Levei
Alice apenas duas vezes: uma delas ainda em 2008, na despedida do Thiago Silva;
a outra em 2015, contra o Goiás e na companhia de outros amigos com suas
crianças. A primeira foi uma estupidez (ela tinha 3 anos); da segunda, não me
arrependo.
Desde as eliminatórias da Copa de 2014, de uma certa
maneira, troquei o Fluminense pela seleção francesa. E, nos últimos anos, fui a
mais jogos da Superliga de vôlei feminino que aos estádios de futebol.
Há pouco tempo compreendi que o futebol morreu de vez naquele
mesmo ano de 2015. Tinha prometido levar o Diogo, meu sobrinho Winarski, para
fazer sua estreia no maior do mundo (hoje em dia, meio acanhado apesar de mais
moderno). Chamei meu pai. Fomos os três. Chegamos atrasados, e ganhamos um
presente inédito: debaixo de chuva, subimos a rampa do Maracanã no carrinho
elétrico que ofereceram para levar o senhor idoso que nos acompanhava. Chovia
muito, muito mesmo, mas foi divertido, apesar da derrota contra a Chapecoense.
Aquele jogo foi o último de pai e filho nos estádios. Ali,
tudo o que eu entendia por futebol quando era criança foi finalmente sepultado.