sexta-feira, 7 de julho de 2023

Alice faz 18

Havia muito tempo que eu evitava o meu reflexo. Naquele dia, porém, pouco antes de entrar no banho, talvez por cansaço, demorei um pouco mais diante dele do que gostaria. Fixei-me naqueles olhos distantes, reflexivos, para tentar ignorar os excessos e as ausências da idade no meu rosto.

O barulho repentino de chaves relaxou o meu olhar, que virou à esquerda de forma automática, como se fosse fazer diferença para ouvir melhor o que viria a seguir: Oi, pai.

Oi, filha.

Quando meus olhos começaram a voltar ao espelho, notei que o outro tinha permanecido na mesma posição, e que ele era mais novo do que eu. Já havíamos nos encontrado antes. Já havia escrito sobre uma de nossas conversas. Dessa vez, porém, não estava com paciência alguma para um embate geracional. A convivência com a minha adolescente me parecia bastar.

Hoje não. Não comigo.

Fui para o meu quarto, coloquei o pijama, deitei-me na cama. Dei um tempo, mas sabia o que precisava fazer. Chamei por Alice. Algumas vezes, aumentando o volume da minha voz tímida até ela escutar.

Alice veio e, com a voz tímida dela, perguntou o que eu queria. Respondi que gostaria de uma conversa séria. Um papo de pai para filha. Um papo de um homem para uma mulher de 18 anos. Quando eu ri, veio a reação: Ah, pai!

É sério, filha. Mas não comigo.

É com alguém da sua idade. Seu futuro pai.

Mostrei a porta do banheiro, e ela, mesmo ressabiada, confiou em mim. Fui para a sala, deitei-me atravessado no sofá com as pernas dobradas. Dei outro tempo, e comecei a confabular sobre o que estaria rolando entre eles.

Imaginei um início de conversa difícil, um silêncio rompido por ela com um cumprimento curto. Ele, mais tímido; ela, mais desconfiada. Aos poucos, ele, mais solto, tentando dar conselhos; ela, querendo saber o que ele faz a noite. Ele lê, passa muito tempo sozinho. Ela tem mais companhia, gosta de sair. Ele então reconheceria nela seus próprios movimentos lentos, sua cautela, seu jeito de falar. E ela se convenceria aos poucos de que sim, é o seu pai. Os dois rindo juntos, conversando sobre comidas e viagens... ela, sobre onde já foi; ele, sobre onde gostaria de ir. Ela, mais madura, mais vivida, mais forte do que ele. Ambos, tentando entender quem são. Ele, com a missão dada. Ela, mais livre, tentando encontrá-la.

Mal percebi quando Alice voltou.

E aí?

A reposta foi vaga. E óbvia: Era você mesmo, pai.

E você, filha?

A resposta não foi a que eu esperava, mas era óbvia também: Estou com fominha. Vamos pedir um japonês?