quarta-feira, 28 de julho de 2010

Todos os Nomes

Peguei o título emprestado com Saramago e a inspiração veio nas primeiras páginas de “Tudo se Ilumina”, de Jonathan Safran Foer.

Os nomes são todos meus. Nasci Luiz Rodolpho, com a grafia exata do avô paterno. Assim a família me chama, salvo quando minha irmã me abrevia para LR. Nome duplo tem peso de realeza, não cabe em formulário, estica a bronca e abre caminho para múltiplas personalidades.

Luiz, assim sozinho, não me diz nada. Sou capaz de ignorar. Mas, ao telefone, serve como identificador de chamadas: se querem vender cartão de crédito, ele não está e não sei a que horas retorna. Vem acompanhado de senhor em correspondências, está na agenda dos consultórios médicos e na preferência das secretárias.

Rodolpho escolheram os primeiros amigos do Nenequita; depois, eu escolhi para apertar a mão, e a maioria aceitou. Superou apelidos na escola e ganhou sufixos na faculdade e no trabalho – Rodophlex é engraçado, Rodolfino dispensa ph.

Fofão, coisa meiga, é arte de meu pai e senha para eu me transformar em avestruz. Nada a ver com o cara de saco, dos tempos de Balão Mágico. É corruptela de ofo, o melhor som que meu irmão podia reproduzir quando tinha três ou quatro anos.

Papai também usa Grandão, coisa de macho, com origem em uma colônia de férias do Fluminense onde eu era o mais velho e, também, um dos pivôs do time de basquete. Acredite, se quiser.

Em casa, há nomes que não serão revelados, nomes que já saíram de moda, nomes que não acabam mais. Há Amor, Rô, papaizinho, papaizão, que são os meus preferidos.

Amarante prefere Rodolpho.

domingo, 18 de julho de 2010

Sharpay e o Menino Prodígio

Papai, eu sou a Sharpay. Em tempos de aniversário, Alice se veste de Sharpay Evans. Ela já quis o rosto da Hermione, mas agora prefere os shows no meio da sala. E por que uma festa do High School Music? Porque ninguém conhece Glee. Queria ser uma mosquinha para ouvir o papo dela com os amigos. Glee está para eles, talvez, como as novelas estejam para Alice. Ela chegou em casa, um dia, se dizendo Maya. E o Daniel, o seu Raj. E quem é Maya? Ela não sabia. Não vemos novelas e, mesmo se víssemos... Glee é a nossa exceção. Ela é nossa convidada, adora o Kurt e quer também ser a Rachel. Menos mal que assistimos ao programa em inglês. Ela não presta muita atenção porque não entende e a ansiedade dela pelas músicas não deixa.

Eu fui Badaró. Há quase trinta anos, não havia muito na televisão além das novelas. Eu fui Badaró para participar da brincadeira no recreio. Eram crianças correndo em círculos no pátio da escola em busca de um tesouro qualquer. Não me lembro quem era Mário Fofoca, nem se eu assistia à novela. Hoje, a idéia de ter sido um personagem do Carlos Vereza me assusta. Melhor ser um figurante do HSM – amigo invisível do Troy Bolton, não?

Depois, fui Roque Santeiro. De bandido coadjuvante a personagem principal. Mas, com certeza, não via a novela. Das oito, nem pensar. Hora de terminar os deveres da escola e me preparar para dormir. Aliás, o apelido veio com os resultados de algumas provas. Fazedor de milagres, diziam. Hoje, a idéia de ser o José Wilker também me assusta. Melhor ser um figurante do Glee – um amigo CDF do grupo, sem talento para cantar ou dançar.

Sempre fui o menino prodígio. E os amigos descobriram, mais tarde, as semelhanças físicas com o Robin. Ficou inclusive registrado numa das camisetas do 3º ano, às vésperas do vestibular. Nunca dei bola, não pegou. Ficou só na camiseta. Não dei bola, mas não queria ser lembrado como parceiro do Batman, seja lá qual fosse a conotação da parceria. Ficou nisso porque ninguém viu as minhas fotos num carnaval qualquer em Araruama. Ficou nisso porque nunca revelei o motivo de me sentir bem no papel. Lembro-me de um episódio da série antiga em que a Mulher Gato aprisiona o menino prodígio. Não me venham com essa... eu não queria que o Batman me salvasse; eu queria ganhar uma lambida da vilã, assim como o Robin. Acho que essa foi a minha primeira fantasia sexual.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Toy Story

Amarante juntava palitos de sorvetes. Os palitos ficavam guardados numa caixa de sapatos, ao lado de uma caixa maior, cheia de carrinhos Matchbox. Nas tardes em dias de férias, ele tirava o álbum de figurinhas da estante e escolhia um circuito da Fórmula 1 para reproduzir no chão da sala de estar. Os palitos desenhavam os limites da pista. Por sua vez, os carros eram associados a pilotos e equipes numa folha de papel e, depois, perfilados na reta principal. Eram movidos a petelecos. A corrida demorava três ou quatro voltas. Os pontos eram distribuídos para os seis primeiros colocados e somados a cada grande prêmio. No fim da semana, Amarante tinha um campeão.

Amarante colecionava botões. Eram 24 times brasileiros, disputando, pelo menos, três tipos de campeonato. No início das férias, aconteciam os campeonatos regionais, com oito equipes cada, todos inusitados: o paulista-goiano; o carioca-pernambucano; e o restinho do Brasil. Depois, vinha um torneio disputado nos moldes da Copa do Mundo. As férias terminavam com o Campeonato Brasileiro em andamento, com três divisões, também de oito clubes cada. As rodadas finais acabavam se arrastando pelo semestre e os jogos ficavam restritos aos sábados ou domingos que não tinham programação especial. Num caderno com espiral, Amarante anotava os resultados das partidas, os artilheiros de cada jogo, e atualizava o ranking.

Amarante lia muitos livros e contava histórias. Elas eram montadas no quarto e podiam durar uma semana. O forte apache do Playmobil se escondia entre a cama e a parede. Ficava difícil abrir a porta do armário. As casas eram colocadas lado a lado criando uma rua fictícia de uma cidade qualquer do Velho Oeste americano. De vez em quando, o circo aparecia por lá e ficava impossível andar pelo quarto. Houve também a fase das naves espaciais, que tornou os enredos mais divertidos. As horas passavam sem que Amarante sentisse. Só a faxina semanal trazia o desmonte e fazia as peças voltarem para as caixas.

Amarante foi criança urbana. Não morou em vila. O prédio era antigo, não tinha sequer playground. Foi criança de escola e apartamento. O clube era só para a natação. A praia, para ver da varanda. Mas a infância de Amarante teve muita diversão. Os carrinhos, os botões e os bonecos que restaram podem confirmar.

E ele foi muito feliz. No entanto, sente falta hoje de tudo o que não viveu então. Hoje, quando não está brincando com a filha, Amarante quer brincar com o mundo, quer brincar você.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Dia Comum, Parto Normal

Tenho muitas saudades daquele dia. Uma sexta-feira. Era um dia comum. Afinal, a expectativa era a mesma de todos os dias e já estávamos nos acostumando com ela. Nane teve as primeiras contrações no fim da madrugada, mas nada falou. Fui trabalhar então. Tudo normal até a hora do almoço, quando o celular tocou. Daquela vez, sem dúvida, eram dores diferentes. Eu não devia me preocupar, a frequência delas ainda era baixa e a futura mamãe estava tranquila. Como sempre. Às três da tarde, fui expulso do trabalho. Vai lá! Ela tá nascendo! Ela não tá calma nada! Fui. Os intervalos das contrações logo chegaram aos cinco minutos. Estava assim autorizada nossa ida para o hospital. Meu irmão foi nosso motorista e, apesar do horário, o trânsito não nos atrapalhou. Antes das seis estávamos em Santa Tereza. Dilatação, ok. Mamãe, pronta. Médica e anestesista, chegando. Papai, de toquinha e avental. Na sala de cirurgia, eu procurava notícias nos olhos das enfermeiras e da obstetra. Clima de descontração, um momento sequer de tensão. Nane, cada vez mais vermelha, fazia força. A cortina azul me separava dos detalhes. Ela tá lá no final do túnel. Dá pra ver os cabelinhos. Vem! Hesitante, fui. Estavam lá. Voltei. Nane estava mais vermelha que antes. De mãos dadas, vivíamos a mesma ansiedade. Era um choque de dor e nervosismo. De novo, procurei por inquietação nos olhos delas. Nada. Pode vir. A cabeça já saiu. Fui. E vi nascer. Dali para a barriga da mãe. Da barriga para enfermeiras alegres e muito falantes. Elas celebravam. Alice resmungou e a ficha caiu. Quase um miado. Parei de respirar, não sabia se ria ou chorava, se corria atrás dela ou se voltava para a mãe. Falei alguma coisa com a Nane e enfiei a cabeça no vão que dava para o berçário. Uma das enfermeiras dava as boas vindas. Ao mundo cruel, criança! Falava de uma bomba em Londres no dia anterior. A ficha caiu pela segunda vez. Alice nasceu num dia comum, de parto normal, há quase cinco anos, em 8 de julho de 2005. Optamos pela privacidade – nada de filmagem ou fotos. Preferimos transformar as manifestações de nossos sentidos em lembranças. Pequenas recordações do melhor dos meus dias.