terça-feira, 30 de março de 2010

Recorrências

Período de estiagem provocado por estresse. Está claro o motivo do silêncio? Fato de recorrência trimestral. Estou melhorando. Já foi mensal, diária...

As frases de hoje estão soltas, buscam graça com a profissão. E não acham. Está realmente sem graça isto aqui. As palavras estão sem força. Saem quadradas. As letras entortam. Tudo porque trabalho de engenheiro é coisa de puta. Faz qualquer coisa pelo cliente, não sabe explicar exatamente o que faz, trabalha em turnos suspeitos, etc. Os engenheiros conhecem bem o e-mail que circula há tempos. A carapuça veste. Se a função é de coordenador de projetos, o uniforme é ainda mais ridículo. Além da carapuça e da cinta-liga, tem a cueca vagabunda. O elástico esgarça, arrebenta e aí...

O trabalho não precisa ter a paixão como ingrediente, mas tem que apaixonar em seu desenvolvimento. Não ficou bom. Sobretudo depois da cueca cair. E a gente não usa sobretudo. Hein?! Vou tentar de novo. Não sou apaixonado por aquilo que faço, mas preciso me apaixonar pelos caminhos que escolho para fazê-lo. Mais ou menos. De alguma forma, isso tem que me fazer bem. Assim é melhor. Direto e objetivo.

Gosto de escrever porque me expresso com liberdade. Conclusão: aqui é a minha praia de nudismo, melhor pelado que exposto daquele jeito. E, mesmo que o resultado seja aquém do que eu pretenda, o exercício pode ser divertido. Este aqui está abaixo da crítica. E daí? Tenho que reconhecer: frases feitas são piores que letras tortas. Ah! Mas se o resultado for bom, posso acabar me apaixonando por mim mesmo. Hum... cara estranho. Piada repetida, Amarante! Ah! Mas posso ganhar novos seguidores. Sei não... fico me imaginando cabeludo, de barba comprida, bancando o Antônio Conselheiro do José Wilker. Porque “a República...”. E vocês todos concordando.

Registro, por fim, meu protesto contra mim mesmo: que a recorrência aqui volte a ser semanal! Por um período de cheia e que o vertedouro esteja com as comportas abertas, jorrando.

quinta-feira, 18 de março de 2010

A Moldura do Paralama

Passavam das oito da noite. Cheguei à área de desembarque do Terminal 1 do Galeão disposto a pegar o primeiro táxi que estivesse disponível. O motorista conversava com colegas, todos em pé um pouco à frente dos carros. Ele se aproximou e fiz sinal que seriam dois. O senhor queria dizer alguma coisa? Apenas que precisamos de dois táxis. Eu me despedi e entrei. Aonde vamos? Real Grandeza. Onde? Desculpe-me. Estou velho e já não tô escutando bem. Real Grandeza. Dei todas as orientações e partimos.

Real Grandeza é aquela do pardal, né? Na esquina com a Voluntários. Essa. A do Batalhão. A de Furnas, completei. Estou velho. Acho que já vivi bastante. E tenho dirigido pouco. Outro dia um passageiro me pediu para ir pra Castro Alves, no Méier. Não lembrava que rua era. Fiquei pensando e perguntei. Ele disse: a da Parmê. A rua, de repente, veio na minha cabeça.

Permaneci mudo, enquanto ligava meu celular. Sabe, eu acho que deviam pegar um estado brasileiro (desses com pouca população) e colocar todos os velhos lá. Velho só faz merda, você não acha? Não.

Meu pai tinha ligado. O taxista continuou falando sem perceber que eu estava ao telefone. Comentei que era o meu velho, mas acho que ele não ouviu. Eu quero renovar minha carteira de identidade. Ela é do tempo que eu era garoto. Se eu renovar, vem escrito: maior de 65 anos. Mas tá conservada. Meu título de eleitor também é o antigo, meu CPF... tudo bem conservado.

Fui a Buenos Aires e quase me barraram. Mas eu levei o passaporte também. Ele ficou comparando as fotos, disse que não era a mesma pessoa. Eu falei, assim bem rápido, que não tinha nada o cu com as calças. Baixinho, o cu com as calças. Ele tava lá falando castelhano e não ouviu. Pedi para chamar o superior. Aí resolveu.

No elevado, o trânsito estava um pouco congestionado. De repente, ele parou o carro, puxou o freio de mão e saiu. Voltou logo com uma peça de carro na mão. Ganhei um dinheirinho hoje. É do paralama do Corsa. Quando o carro acelera na água, ela sai e fica na poça. Quando chove muito, eu sempre acho uma. Tenho várias. Verde, preta, amarela pra táxi. Eu vendo pros colegas. Qual a cor...? Essa é preta.

Olha, tem outra ali. Não consegui ver. Ainda estávamos no elevado. Depois eu volto. Lá pra meia-noite, quando não tem movimento. Encosto e pego. Tranquilo. Dali em diante, ele ficou procurando um Corsa que tivesse a moldura para me mostrar. Por quanto o senhor vende? 50 reais. E na concessionária? 150.

Chegamos. O senhor prepara um recibo pra mim? Obrigado e boa noite. Obrigado o senhor pela sorte que me deu hoje. Até a próxima.

Em casa, encontrei a peça no Mercado Livre. A mais barata, por 18 reais.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Os Cegos do Castelo

Vamos às listas. A primeira lista de Amarante. Uma lista tão estranha quanto aquele que dorme na tampa da caneta. Lista de deficientes visuais preferidos. Encontrados entre livros e filmes. E, se vêm da ficção, por que não do castelo?

O primeiro deles é o Cego Estrelinho, cujo conto, de mesmo nome, surgido dentre os tantos que Nane leu na faculdade, me apresentou Mia Couto. Quando seus livros, como As Estórias Abensonhadas, ainda eram publicações raras por aqui. Diria que hoje sou um seguidor.

Por falar nisso, em seguida, vem aquele que desenha a Catedral no conto de Raymond Carver, lido poucos anos depois, durante o curso de literatura do TTC da Nane, fonte e companhia de descobertas literárias.

Em terceiro, elegi Petite Croix, a menina de Peuple du Ciel, escrito por Le Clézio, premiado com o Nobel em 2008. Por isso, leitura curiosa e recente. Prosa cheia de poesia, de luz, de cores, de sons.

Poderia escolher o quarto deles em meio aos que perambulam pelo Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago. Se tivesse lido. Como ainda não consegui colocá-lo na pilha de urgências e vontades, busquei no filme de Fernando Meirelles a solução. A quarta é Julianne Moore. Para contrariar a regra, ela vê. Aqui e ali.

Em último, não menos importante e muito conveniente ao banquete, Frank Slade. Ele carrega vestígios de um perfume que alimenta o desejo de abraçar no escuro a mulher que deita ao meu lado. Ao som óbvio do tango.

Eles quase me fazem perder o medo de, um dia, estar lúcido para entender que não posso mais ler.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Feliz Aniversário

Eu adoro dar presentes. Prefiro os aniversários e os momentos inesperados para tentar surpreender. Além de causar surpresa, o presente precisa levar consigo um pouco de quem a provoca. Ele não pode ser casual, tem que dizer claramente: eu escolhi para você. E, claro, você tem que gostar. Só assim, o presente cumpre a sua função. Só assim, ele torna o momento especial. No entanto, colocar a surpresa, eu e você num mesmo presente pode não ser fácil.

Às vezes dá certo. Deu certo comigo há treze anos e meio. Naquele dia, eu era você e você era eu. Eu ainda estava na faculdade e estagiava em Furnas à tarde. Vindo do Fundão, deixava o carro na rua Paulo Barreto, na garagem do prédio onde ainda mora meu padrinho. Eram quase seis horas, e eu estava ansioso para deixar o estágio para comemorar meus 22 anos. Como fazia todos os dias, entrei no prédio e fui logo buscar o carro. Meu presente de aniversário estava lá. Era um bolo. O carro era o bolo. Ele estava enfeitado com balões e cartazes. Nele, estavam a maior das surpresas, você e eu. Do presente convencional, não me lembro exatamente; posso facilmente confundi-lo com o do Natal do mesmo ano ou do aniversário do ano seguinte. Daquele presente, não me esqueço. Para mim, encontrar o carro daquele jeito foi como ganhar um buquê de rosas e um cartão com vários outros dentro. Porque, se as rosas murcham, os balões esvaziam... E, como os cartazes, o cartão acaba no fundo de alguma gaveta qualquer. Fica com a gente o que precisa ficar: a lembrança da intenção, do carinho e do amor. Ficou comigo a lembrança de um amor de fato que apenas começava.

Hoje, eu sou eu. Mais uma vez, meu coração bate.

Hoje, primeiro de março, você é você. Feliz aniversário.