quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O Que Eu Faço Agora?

É a primeira vez que minha filha tira longas férias de verão. A geração de crianças da qual ela faz parte, que passam seus primeiros anos de vida em creches, não conhecem o ócio. Além disso, estão tão acostumadas com atividades definidas e orientadas por adultos, que não sabem o que fazer no tempo livre. Por isso, Alice repete com frequência a mesma pergunta: o que eu faço agora?

Como Nane trabalha em casa, sobra para ela dar alternativas: ler o livro que está ainda pela metade, brincar com as bonecas que estão esquecidas numa caixa, ouvir uma música diferente daquela que ela canta todos os dias, escrever no diário sobre o que anda fazendo de mais interessante. Alice tem que aprender a decidir sozinha. Se as opções que a mãe dá não servem, restam os pequenos vícios: o joguinho do iPod, a série que passa no Disney Channel, o filme que ela já viu mais de cinco vezes.

Normalmente chego do trabalho em torno das sete da noite. Só então posso tentar substituir a Nane na condução das atividades da criança. Muitas vezes não adianta, Alice continua preferindo chamar a mãe em quase todas as situações, ou simplesmente dizer mamãe sem motivo algum. Há momentos, porém, que a sugestão de um filme pode fazer a diferença. E a pequena cinéfila costuma topar as minhas propostas.

Em dezembro, depois de vermos Ponyo, animação japonesa do mesmo diretor de A Viagem de Chihiro, escolhi A Vida é Bela porque queria saciar um pouco a curiosidade da minha criança sobre guerras. Em outra ocasião, vimos Peixe Grande (embora não tenha sido intencional, foi interessante ver dois filmes seguidos que tratam do relacionamento entre pai e filho). Por fim, para servir como antídoto para Violettas e Anittas, tivemos aulas com Jack Black na sua Escola de Rock. E parece que deu certo: ela fez questão de repetir o filme na mesma semana.

Quando não quer ler antes de dormir, se não estou muito cansado, leio junto com ela. Se não tenho forças, tenho preferido contar as histórias que ando lendo. Vem dando resultado também: ela não só quer saber mais sobre a menina Cosette, como quer que eu veja as versões de Os Miseráveis disponíveis no Netflix para decidirmos se ela pode ou não assistir.

Agora, enquanto as meninas viajam pelo mundo encantado dos parques da Disney, onde falta do que fazer não é um problema, e eu curto alguns dias sozinho, tenho pensado muito sobre as necessidades dela e as escolhas que temos feito. Nestes dias solitários, é a minha vez de encarar um tempo livre a que eu não estou mais acostumado. E, por isso, venho repetindo ao fim de cada texto que escrevo, de cada filme que vejo, de cada capítulo que leio, o mantra preferido de Alice: O que eu faço agora?

O que eu faço agora?

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Tapioca com Coco

Em nosso segundo dia de passeios pelo Centro do Rio de Janeiro, não havia ansiedade da minha parte. Eu já sabia desde a noite anterior o que queria fazer. Alice, porém, não escondia sua resistência às minhas longas caminhadas e hesitava. Não dava sinais de querer sair de novo com o seu malvado favorito. Só aceitou meu convite quando soube que iríamos de táxi.

Depois de um almoço improvisado em casa, chegamos ao Espaço Cultural da Marinha às 13 horas, um pouco tarde para conseguir os ingressos do passeio do rebocador Laurindo Pitta pela baía de Guanabara. Como esta primeira opção não deu certo, acabamos decidindo pela visita à Ilha Fiscal.

Enquanto esperávamos a hora de partida do saveiro, Alice aproveitou para matar a curiosidade de conhecer um helicóptero por dentro, coisa que disse só ter visto nos filmes. Depois, fomos até o navio-museu Bauru, que foi explorado por ela com muita animação, sempre me puxando pelo braço. Embora estivesse cansada das fotos, intercalando rabugices com sorrisos, consegui registrar o que, de certa forma, era um encontro dela com o vovô Edmundo, que era oficial da Marinha e nenhum de nós dois chegou a conhecer.

Quando entramos no saveiro, recomeçaram os resmungos. Dessa vez, por causa do colete salva-vidas (que estava apertado e, não havia como discordar, aumentava o calor). Felizmente, o percurso era curto e logo alcançamos a Ilha Fiscal, onde uma guia nos esperava para uma interessante aula de história, em que o ponto alto é o último baile do Império.

Durante a visita, Alice fez seus comentários inusitados: observou, por exemplo, que a imagem da Princesa Isabel no vitral não parecia a de uma menina. Além disso, se impressionou com as toneladas de camarão servidas no baile e com as roupas pesadas que as moças vestiam na época. Também se divertiu muito com a subida pela escada caracol, o pouso dos aviões no Santos Dumont e o lanchinho que fizemos contra o vento.

No caminho de volta, enquanto reclamava mais uma vez do colete, sugeri que, em outra oportunidade, fôssemos de barca até Niterói. Ela perguntou se lá, do outro lado baía, haveria alguém nos esperando para explicar as coisas. Quando respondi sorrindo que não, ela também sorriu antes de desviar o olhar e sussurrar: ainda bem. Já em terra firme, Alice quis voltar ao Bauru e, em seguida, conhecer a réplica da nau do descobrimento.

Saímos da Marinha por volta das 16 horas em direção à Uruguaiana, onde pegamos o metrô. Quando chegamos à Praça Nelson Mandela em Botafogo, ela percebeu que enfrentaria nova caminhada e fez uma careta de desagrado. No entanto, logo entramos em acordo: Alice trocou seus resmungos por um beiju de tapioca sem manteiga, recheada apenas com coco ralado.

domingo, 12 de janeiro de 2014

O Malvado Favorito

A ansiedade me surpreende no ócio das férias obrigatórias e me faz brigar com o tempo que, afinal, tenho livre. É, porém, uma liberdade que não parece minha.

Antes que eu perca mais tempo e me distancie de fato dessa liberdade, pego minha filha pela mão e, acariciando seus dedos, proponho um programa diferente. Vamos para o Centro, aproveitar o que a nossa cidade tem a oferecer, apesar do calor. Deixo a ansiedade no ponto de ônibus que se esconde no Mergulhão da Praça XV para afastar qualquer possibilidade de contágio, e empresto a minha liberdade à vontade dela. Eu indico, e Alice me conduz.

O Paço Imperial é, para ela, história recente. Faz pouco tempo que aprendeu sobre D. João VI, os Pedros e seus impérios. Durante o ano que passou, eu mesmo me aproveitei das provas de história da Alice para revisitar essas figuras nos livros de Laurentino Gomes. Entre agosto e setembro, emendei 1808 com 1822, e me senti revigorado assim.

Dentro do prédio colonial, Alice pede para abrir as portas e me puxa (por aqui, pai). Confessa que quer aprender mais, para ser uma aluna ainda melhor. Tento mostrar o mapa que está na parede com a indicação das colônias portuguesas, mas ela se recusa (já sei, é o mapa do mundo). Logo que saímos, mostro o Palácio Tiradentes e a estátua do próprio, mas ela prefere entrar nas igrejas: São José e Nossa Senhora do Carmo. São cinco minutos em cada uma, até a missa começar na primeira e os turistas invadirem a segunda.

Já passa do meio-dia. É natural que Alice esteja com fome. Quer o celular para conversar com a mamãe enquanto dá umas poucas garfadas. Deve ser o calor – porque eu também deixo metade do prato.

Saímos do restaurante para ir ao CCBB. A exposição de Yayoi Kusama pega a menina de jeito. Quer ver tudo, experimentar, tirar fotos e voltar com uma amiga – de preferência, amanhã.

Depois de passar na Cavé para eu comer um pastel de Belém e ela, uma fatia de pudim, voltamos de metrô. Paramos no Largo do Machado para caminhar até o Fluminense. Não é perto. Ela reclama, mas resmunga feliz. E eu ganho o apelido que dá nome à crônica: Você é o meu malvado favorito, pai.