quarta-feira, 16 de junho de 2010

De Granizo e Resistência

Apenas uma das fotos que tiramos comprova o que tenho a dizer. E reconheço que, ainda assim, você pode ter motivos para duvidar. Assim como passei a duvidar do Rei Sol. Nela, o horizonte que se vê é azul. As nuvens pesadas e escuras aparecem no alto. Durante todo o dia, essas nuvens assustadoras não largaram o castelo. Hora sim, hora não, chovia. Depois do almoço, até granizo choveu. Por alguns minutos, minúsculas pedrinhas de gelo bateram com insistência no chão. Tinham, no máximo, dois milímetros de diâmetro. Também registramos. No entanto, também é direito seu duvidar.

Nosso domingo em Versalhes foi assim: mais ou menos. E, por isso, talvez a única decepção da viagem. Se o tempo foi obra do acaso, a confusão na entrada não. Também não a superlotação dos salões reais, invadidos por hordas orientais. Ah! Se o Japão é a terra do sol nascente, talvez o rei esteja escondido lá, porque em Versalhes ele não estava. Também não foi obra do acaso o fato de que o Museum Pass não incluía o jardim, o transporte interno, etc. Isso significava que, para sair do castelo e chegar aos Trianons, a volta era enorme e que sofreriam os nossos já maltratados pezinhos. Isso queria dizer que, deixando alguns eurinhos a mais aqui e acolá, o turista acabava explorado. De todo o passeio, salvou-se apenas o playground camponês de Maria Antonieta.

Cansados e mortos de fome, voltamos a Paris a tempo de fazer jus ao nosso estado. De quase inválidos. Lá, a megalomania napoleônica impressiona. Perguntamo-nos ainda quantos Napoleões cabem num túmulo daqueles. Lá, visitei o Musée de l’Ordre de La Libération para sentir o cheiro das poucas histórias que ouvi em casa. Aquelas que Mami viveu já no Brasil, defendendo a sua pátria. Ela e também meu avô, brasileiro que mereceu uma carta de agradecimento do General De Gaulle, mantida emoldurada na biblioteca que guarda o que restou da Livraria Sauret. Saí dali com broches da Resistência. É nela que está o verdadeiro orgulho francês. Mami é prova viva.

domingo, 13 de junho de 2010

As Férias de Alice

Alice tirou férias dos pais por longos dezessete dias. No dia em que partimos, eu a deixei na creche. Lá, ela entrou pelo corredor sem olhar para trás. Virou-se, de repente. O beijo, pai. Esqueci o beijo. Com as bochechas coladas nas grades, ela me ofereceu o melhor deles. E completou com um sorriso: agora vai, papai; vai viajar, vai!

De Paris, Alice sabia muito pouco. Que o Ratatouille morava lá, que tinha uma torre igual a do quadro da vovó, que Mami nasceu lá, que tinha uma loja da Disney. Se a torre e a história da família ainda não têm apelo, falar com o Rémy era a minha missão. Aliás, a Disney já é quase uma obsessão. Alô. Mamãe, você já foi na loja da Disney? Não. Hoje você comprou quantos presentes? Dois. Comprou o quê? Não vou falar. É surpresa. Já se-ei, já se-ei. Foi um bato-om! E o batom já é uma obsessão. Tem mais que a mãe.

Para os pais de Alice, os dezessete dias foram longos. Lá pelo décimo-quinto, já era hora de voltar. Sonhos satisfeitos, mala cheia de presentes para a filha. Chegamos às 6h da manhã em casa. Às 8h fomos acordá-la na casa da avó, no quarto da tia. Ainda grogue, dela ganhamos enormes abraços. Foram poucos minutos até que despertasse e confessasse: Pensei que estava sonhando, mãe.

Pai, você encontrou a Luana? Ela também foi para Paris. A melhor amiga de Alice foi mesmo para lá, mas chegou um dia antes de partirmos para a Holanda. Daí a explicar que... melhor não. Não encontramos com ela, filha.

Hora de abrir a mala e dar os presentes. Ela foi paciente, mas queria sempre mais, às vezes sem dar bola para os que já tinha recebido. Melhor prevenir: Tá acabando, filha. Foram roupas, batons, brinquedos, etc. E, claro, o Rémy. O Ra-ta-tui, papai!

Mais tarde, entediou-se com as fotos até ver o castelo da Aurora, a Bela Adormecida. Da EuroDisney, tiramos poucas fotos, evitamos até onde pudemos resistir. Era uma Disney pequena, explicamos. Mas ela não se importou. Ao contrário, ainda pede para rever cada uma das fotos.

À noite, com saudades da cama, ouviu a história do escargot que não gostava da chuva. Depois dormiu, tão rápido quanto nunca, abraçada ao amigo rato.

A cena valeu uma foto. A viagem valeu por tudo.

domingo, 6 de junho de 2010

Tiquetonne

Ligeiramente trêmulos, os dedos tocaram meu braço com a força da lembrança. Tiquetonne. O quê? O nome da rua em que morei. Mais alguma coisa? Uma referência? Faz tanto tempo. Eu me lembro dos Correios.

A viagem para Paris começou muito antes. Num devaneio, da vontade, quase da necessidade. Começou quando tirei um livro da estante. Para ler em francês, coisa que não fazia há mais de 6 anos. Sobreviveu quando minha irmã não perdeu a oportunidade e quebrou o tabu da família que jamais voltou. Recomeçou quando juntos decidimos planejar, comprar as passagens e planejar de verdade. Para viajarmos os dois, para vivermos nossas realizações juntos, para curtir de novo, como antes, e renovar.

A emoção da realização veio logo após a chegada no hotel. Perto da torre às 19 horas, com céu azul e calor. La tour Eiffel. Logo ali, cada vez mais próxima. E nós dois, bobos de emoção. Bobos também por termos demorado tanto a chegar ali. Chegamos sorrindo, fotografando tudo, gastando pilhas sem contar. A torre e o Sena. Paris estava diante de nós.

Os Correios surgiram na manhã do terceiro dia, depois de deixarmos o Louvre. Estava explicada sua resistência em memória tão frágil, com 95 anos de idade e 75 anos de saudade. La Poste e, em seguida, Tiquetonne. A rua estreita, com lojas moderninhas, restaurantes abundantes. Ali fizemos a mais francesa das refeições, cercados de franceses, confundidos com franceses. Por segundos, até o vocabulário falhar.

Quantas coisas deixei de lado nos últimos anos! Uma viagem pode ser o caminho para a redenção? A viagem certa, desejada, pode nos fazer recuperar as palavras que perderam o sentido por mera falta de uso. Ou mau uso retórico. Em francês, eram tantas as que se tornavam subitamente óbvias. Em português, eu só precisava dizer “te amo” com os olhos e os dedos entrelaçados.

Ali, eu estava em casa. Feliz.