O pai lê um livro no sofá com as pernas acomodadas no assento. Ao lado, a mãe alimenta o bebê com leite morno. Faz frio, mas Pedro parece não ligar para a temperatura. Aparece na sala de cueca e camiseta, pende a cabeça para frente, autoriza sua própria largada e dispara. Dá voltas na mesa de centro desenhando traçados para um monótono circuito oval. Assim ele esquenta os motores. O sobrenome dele é McQueen, pele vermelha da tribo dos loucos por rodas. Faz o pit-stop entre as pernas do pai, que agora tem os pés no chão. O garotomóvel tem pressa, sempre, mas respira e aguarda seu mecânico particular terminar de trocar os pneus e encher o tanque de combustível. A simulação começa abaixo dos tornozelos, com movimentos rosqueados da mão direita, e termina com o dedo anelar numa das axilas. A corrida insólita continua após a breve troca de risadas. Parece não ter fim.
Os olhos do pai voltam para o livro quando Pedro se cansa. A mãe parece não acreditar, mas acontece. Ele troca a tresloucada correria pelo chão repleto de carros, ônibus e outros móveis, decorados também por caminhões e uma jamanta. A mãe sai da sala para embalar o irmão antes de colocá-lo no berço. Mais uma vez, o pai abandona o livro: de mecânico se torna sonoplasta, como o filho, enquanto liga a TV. Os efeitos sonoros dão graça às batidas, que se repetem na tela em meio às risadinhas que acompanham as tramoias de um vigarista. De repente, Pedro entra em transe e seus olhos, antes dispersos, não desgrudam mais do desenho animado. O carro de polícia com a sirene ligada continua em suas mãos, pendente, em inércia passageira. O pai aproveita para pegar o livro de volta. Espera o silêncio da sirene para continuar de onde parou, anos luz distante daqui.
Dividido, ele reveza o olhar entre o parágrafo e a criança. Imagina o filho nas mesmas naves espaciais em que ele viajou e acaba levando Pedro para dentro do livro. Ali, ele vira personagem, ganha nome estelar.
Termina a corrida, que Penélope vence, e Pedro está com fome. O pai dá a mão ao menino, leva-o até a cozinha e o abastece de fato. Agora Pedro está com sono. O pai põe a criança na cama e começa a contar a história de um garoto apaixonado por carros, que anseia por pernas compridas para alcançar os pedais. De olhos fechados, Pedro não surpreende o pai com o que diz em seguida. Ele quer asas além das rodas.
Daqui a anos, quando Pedro ler isso,vai saber que o pai chorou bem antes de terminar o texto. E seguiu em lágrimas até o final. Quando terminou, enxugou os olhos, foi beijá-lo em sua cama e sussurrar, bons sonhos. De preferência em uma das naves.
ResponderExcluirUm abraço afetuoso e agradecido.
Pai do Pedro.
Ah! Que lindo! E mais emocionante ainda o comentário do pai do Garotomóvel. Tb chorei.
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