segunda-feira, 27 de junho de 2011

Pinball de Madrugada

A sem-vergonha vai comigo pra cama. Brinca de pinball com meus pensamentos e não me deixa dormir. E ela tem cúmplices. Quando precisa, chama o esquadrão de mosquitos. Os mais educados sobem pelo elevador; os sorrateiros preferem chegar pela ventilação do banheiro que fica no corredor. Eles são implacáveis: como eu sempre me deito com um lençol cobrindo o corpo até o pescoço, eles zumbem nos ouvidos e atacam os dedos. Se eu estiver apenas adormecendo, algo entre os estágios alfa e beta do sono, o zumbido é suficiente, e a famigerada se aproveita para recomeçar o jogo irritante da madrugada. Os calombos coçam pelo menos por meia-hora, o que me faz levantar e ligar a televisão da sala – sem som para não acordar quem não tem culpa de nada. Serve como calmante. Quando os mosquitos não estão disponíveis, ela apela para um velho amigo da minha avó: Monsieur Le Vent. Ele utiliza o caminho preferencial formado pela sequencia de vilas em frente a minha varanda para chegar fazendo barulho. A saia do toldo, um tanto rasgada e pendente, bate palmas para receber o nobre amigo. As barras de alumínio que prendem o toldo ao guarda-corpo da varanda fazem um esforço enorme para não o deixarem voar. Depois do vento, vem a chuva. Se intensa, entra pelas tubulações fazendo arruaça que as paredes finas não fazem questão de amenizar. A chuva parece pingar dentro de casa e me faz lembrar os primeiros anos, quando a água infiltrava pelo terraço e formava uma goteira sobre a mesa de cabeceira. Naqueles tempos, acordávamos para buscar o balde e levar o colchão para sala. No dia seguinte, ligávamos para Construtora esperando sempre resolver o problema de uma vez por todas. Demorou muito a acontecer; por isso, ainda é tortura pura. Se não chove e o vento insiste, levantamos da cama para subir o toldo em cinco intermináveis partes. A essa altura, o sono do casal já era.

A insônia raramente me acorda no meio da noite, quando meu sono é profundo, ou mesmo no início da manhã, antecipando-se ao despertador. Ela gosta mesmo de varar a madrugada jogando vídeo-game com minhas angústias. Ontem eu pensava sobre hoje, como seria longo e corrido o dia. Compromisso na hora do almoço, que acabou não acontecendo; no meio da tarde, que me tiraria mais cedo do trabalho para levar Alice ao médico; e à noite, que era o mesmo de toda segunda-feira. Centro, Barra, Jardim Botânico e a insônia se agarrou à minha filha: recordei todos os passos em busca das respostas para a obstrução do canal lacrimal dela e, depois, o quanto curtimos o cinema em casa de domingo, quando ela viu ET pela primeira vez e chorou como nós choramos há quase trinta anos; e também, com o pensamento em ré, que compramos o filme depois do almoço na Cobal; e ainda que na prateleira de promoções tive vontade de aumentar uma pequena videoteca com os filmes preferidos. Oportunista, a insônia me levou para o cinema: A Vida é Bela estava na prateleira – um bom filme para incluir na lista, apesar de minhas implicâncias com o tanque americano e o fato de Begnini ter levado o Oscar em vez de Edward Norton, de A Outra História Americana, outra aquisição obrigatória. A chuva apertou e fui para sala. Liguei a TV e, no meio de algumas opções de peitos saltitantes que não me ajudariam com a megera, fiquei com um episódio começado de The Good Wife. Voltei anestesiado para cama, achando que era hora, apesar do vento que retornava após a chuva, mas um deslocamento de tábua e copos na pia me fez pular da cama e ainda acordou a Nane. Ganhei um carinho quando voltamos da cozinha, respondi que não sabia exatamente o que me incomodava e lamentei que, nesse aspecto do sono, Alice tivesse puxado ao pai.

Ainda fiquei rolando na cama, refletindo sobre este texto que surgiu durante o jogo da insônia. Resisti também à ideia de ligar o computador e começar a teclar. Eram mais de 3 da manhã quando, pensando em uma doce e proveitosa vingança (como esta aqui), deixei a insônia jogando sozinha na madrugada de segunda-feira.

Um comentário:

  1. Sergio , companheiro de insônias eventuais...1 de julho de 2011 às 10:36

    Muito legal. Era eu também!

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