domingo, 31 de maio de 2015

Inconfidente e Conjurado

– Vamos, Alice. Tá na hora.
– Já vou, pai.
– A gente vai acabar se atrasando. – Nunca escondo minha impaciência.
– Só um pouquinho. Tô colocando os sapatos.
Ela ainda demora uns cinco minutos para aparecer na sala. Pegamos o elevador e já estamos na rua quando inicio a conversa:
– Alice, a gente vai chegar atrasado na reunião.
– Ué? – faz uma careta. – A professora não falou que ia ter reunião.
– A reunião dos conjurados, filha – falo com uma ponta de sorriso nos lábios.
– Que reunião? – pergunta e, em seguida, franze a testa.
– Com o Tiradentes – afirmo como se fosse óbvio. – Aliás, de onde vem mesmo esse apelido?
– Era dentista, né? – Mais óbvio, impossível.
– Pois é. Temos que correr. Temos que chegar antes daquele traíra. Como é mesmo o nome dele?
– Joaquim Silveira...
– Silvério.
– Isso. Dos Reis – completa toda satisfeita. – Como a gente vai saber se ele chegou? Será que ele é gordinho, pai?
– Acho que sim.
– Igual aquele homem ali? – Ela aponta para um sujeito alto e bochechudo que vem em nossa direção. Começo a rir, e ela acompanha. Em seguida, o tal Joaquim passa ao meu lado.
– Será que ele percebeu que a gente tava rindo dele?
– Tomara que não, Alice.
– É – diz, hesitante, sem esconder uma ponta de preocupação.
– Outra pergunta: quem manda lá em casa?
– A mamãe, claro.
– Então vou te contar um segredo dela. – Coloco as mãos em forma de concha no ouvido dela enquanto esperamos o sinal abrir. Faço apenas uns barulhinhos, antes de continuar – E agora, pensando naquilo que você aprendeu com a sua professora, sou inconfidente ou conjurado?
– Inconfidente!
– Muito bem.
Depois que atravessamos a rua, Alice se distrai com o movimento das pessoas, começa cantar sua música preferida do momento, talvez ache que a brincadeira terminou.
– Filha, vamos imaginar que nós dois queremos tirar o poder dela.
– O poder de quem?
– Da mamãe, claro.
– E o que a gente vai fazer, pai?
– Hoje à noite, quando ela não estiver prestando atenção, a gente vai e senta na cadeira dela. É uma boa ideia, né?
– Ao mesmo tempo? Ah! Não, não quero fazer isso com a mamãe. – protesta com veemência.
– Tá bom, tá bom... Eu faço sozinho. – Depois de uma pausa, continuo – Bem, se estou tramando, mesmo sem a sua ajuda, sou inconfidente ou conjurado?
– Conjurado.
– Ótimo. Dá um beijo aqui.
Alice entra na escola, dá tchauzinhos até me perder de vista.

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