domingo, 3 de maio de 2015

O Adeus de Maria

Na falta da padaria, fechada havia pouco tempo, fomos até o posto de gasolina que fica na esquina da São João Batista com a Mena Barreto para comprar uma garrafa de mate.

Aproveitei o tempo do caminho de volta para contar as novidades para Alice. Disse que, depois de quase 17 anos, não teria mais trabalho ou, pelo menos, não o mesmo trabalho, não no mesmo lugar. Tentei explicar que o nosso país não vinha bem das pernas, não havia novos projetos, e que, por isso, a empresa onde eu trabalhava estava demitindo muitas pessoas. Demonstrei alguma preocupação com as nossas despesas, mas também procurei ressaltar o lado bom dessa situação. Falei do tempo que sobraria para ajudar a mamãe nos afazeres da casa, para estudar com ela e levá-la à escola.

Nesse passeio curto, de novidades ainda pouco palpáveis, Alice ficou a maior parte do tempo em silêncio. Limitou-se aos porquês e a concordar com as boas notícias. Seria bom ajudar a mamãe, seria legal levá-la a escola. Sobre os gastos, quis saber se tinha algo mais caro que a escola dela e ensaiou algumas comparações. Quando o papo acabou, lembrei-me do motivo do passeio, uma garrafa de mate, e da falta que faz uma padaria ao lado de casa.

Já fazia alguns meses, tínhamos saído para comprar um remédio para uma das enxaquecas brabas da Nane. Naquele dia, fomos um pouco além da igreja na Voluntários. Na drogaria, Alice aproveitou para comprar um protetor labial com o seu próprio dinheirinho. No caminho de volta, quando passamos pela padaria, ela pediu sorvete. Logo que entramos, percebi uma movimentação esquisita, mas não dei importância. Estranhei o freezer quase vazio, mas deixei para lá. Escolhemos três picolés. Até chegarmos ao caixa, tudo parecia estranhamente normal. Só a dúvida de Maria, em tom de súplica, começou a revelar o que estava para acontecer:

– O que eu falo pra ela, meu filho?

Toda vez que alguém da família comprava o lanche do fim de tarde na Confeitaria Imperial, Maria perguntava se podia colocar balinhas para Alice e sempre acabava deixando os brindes junto com o saco de pão. Para nós, o carinho dela com a criança que viu crescer era o grande diferencial daquela padaria, que não passava de um quebra-galho óbvio e caro da nossa esquina.

– Eu não vou mais ver você – disse Maria, entre os soluços, desolada, enquanto segurava as mãos de Alice.

Com mais de 80 anos de existência, a Confeitaria Imperial fechou as portas no dia seguinte. Não sabemos se Maria voltará quando a nova casa de pães for inaugurada. Sabemos, aliás, muito pouco sobre o que virá pela frente; sei apenas que são tempos de dar adeus e de aproveitar o que resta do pote de sorvete onde ainda guardamos as balinhas da Maria.

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