domingo, 17 de maio de 2015

Juarez e o troféu Schwarzenegger

Juarez tinha 70 anos quando o conheci. Era projetista das antigas, dos melhores, e eu, um engenheiro recém-formado. Naquela época, ele ainda desenhava no papel vegetal, começando pelas curvas de nível que ia apagando à medida que chegavam as informações sobre a disposição das estruturas da usina hidrelétrica que estávamos estudando. Aos poucos, ele fez a transição do papel para o CAD. Primeiro, digitalizava o trabalho em papel para desenhar as linhas sobre a imagem do projeto na tela do computador. Com o tempo, passou a fazer tudo na tela; tendo sempre, porém, que dialogar com os colegas sobre as cores dos layers, já que era daltônico.

Juju, àquela altura um senhor de cabelos grisalhos e barriga farta, gostava das montanhas. Conhecia diversos picos da Região Sudeste e sempre nos contava suas aventuras. Curtia também filmes antigos – e ai de quem falasse mal do John Wayne. Às vezes, surpreendia aos que estavam na sala de trabalho, interrompendo o silêncio, com trechos de canções que marcaram o cinema. A Segunda Guerra era outro tema que o interessava – era comum vê-lo comprando alguma revista sobre o assunto ou algum avião dessas coleções que vendem nas bancas.

Nem mesmo a doença tirou de Juarez a serenidade. Era o modelo perfeito daquele que sai de casa cedo, enfrenta os obstáculos sem medo, firmando os passos com ajuda da bengala, cumpre sua missão no trabalho, com prazer sincero e honestidade, e retorna à noite para o conforto da família. Aliás, nossos papos ficaram mais frequentes quando eu me tornei pai e ele, bisavô. Às segundas, assim que eu entrava na sala dele, abria um sorriso enorme para compartilhar a sua maior felicidade: você sabe, ontem a menina foi lá em casa.

Outra característica de Juju era a irreverência. Lidava com os pedidos improváveis e os prazos impossíveis com muito bom humor. Já tinha sua própria lista de frases feitas antes delas serem banalizadas pelos e-mails e pelas redes sociais: é rapidinho, eu sei que você é capaz, é só trocar os números... E, para as horas mais críticas, quando era indispensável um humor mais ácido, guardava consigo um nariz de palhaço.

Quando o departamento em que trabalhei nos últimos anos foi criado, Juarez iniciou uma tradição que acabou se consolidando como forma de homenagem depois de sua morte: o troféu Schwarzenegger trocava de mãos toda vez que um novo colaborador era contratado para o departamento, ou sempre que um estagiário era promovido a geólogo ou engenheiro (as mulheres eram poupadas dessa brincadeira). Após a cerimônia de passagem do troféu, cabia ao novato guardar na própria gaveta uma cópia de uma foto do ator em tempos de Mister Universo, mostrando quase todos os seus músculos.

Já se passaram dois anos de seu falecimento, mas a presença de Juarez era tão marcante, que mesmo aqueles que não tiveram a chance de conhecê-lo acabaram virando admiradores. E, por isso tudo, pelos quase 15 anos que passamos juntos, tenho certeza de que um dia vamos nos reencontrar. E a conversa começará com um convite: senta aqui, caboclo.

2 comentários:

  1. Ontem ouvi uma frase que caiu como uma luva, após ter lido esse texto: "saudades não são para serem matadas, mas para serem vividas"

    Saudades do bom e velho Juju.

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  2. Poxa...quantas saudades do Juju. Pessoa incrivelmente especial. Suas palavras me trouxeram tantos sentimentos bons que só tenho a te agradecer. Saudades eternas do nosso inesquecível Juju....

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