sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Autoficção

Às segundas eu costumava sentar no sofá do consultório com os pés descalços e, fato raro, falar quase sem parar. Quando sobrava tempo para ouvir, o verbo se repetia: expandir. A cada vez que o assunto retornava, eu eliminava as possibilidades com a alegação mais sincera: falta de interesse. Acabei percebendo que apenas a minha satisfação pessoal seria capaz de trazer alternativas para a expansão. Por isso, terminava a sessão falando do blog, das ideias que tinha para divulgá-lo, do retorno que eu tinha dos amigos leitores, da surpresa que era escrever tanto e tão fácil. Foi assim que expandir se tornou sinônimo de escrever melhor.

A terapia já tinha passado a ser quinzenal quando me deparei com a ementa do curso de Autoficção da Estação das Letras. Reconheci ali boa parte dos meus textos em perguntas simples: “Ao lembrar, inventamos? Quem somos senão quem decidimos ser?” Percebi que a questão não era apenas escrever melhor, mas entender motivações e encontrar direções. Desde a primeira aula, o curso é uma extensão da terapia. Descobri que autoficção é um exercício de autoconhecimento, neste caso, feito em grupo formado por pessoas com a mesma vontade de transformar lembranças em histórias e de aprender a preencher os vazios de memória com letras.

A autoficção ocupa agora os instantes de inspiração ao longo da semana e as minhas noites de segunda. Por isso, a terapia temporariamente acontece em horário alternativo, em quintas alternadas. Lá continuamos a tratar de expansão, sem esconder a empolgação com o primeiro tiro: certeiro. Ela diz que eu encontrei a minha turma e eu não posso dizer que foi tarde: aos 37 anos, sou um dos mais novos aprendizes. Enquanto ela fica com uma boa quantidade dos marcadores de livro para divulgar o blog, eu fico imaginando quanta ficção preenche aquele consultório de releituras biográficas.

Não nego a ansiedade pela próxima aula, porque hoje, talvez pela primeira vez, a vontade supera a inibição: quero expor para depois reescrever. E para escrever melhor, preciso das críticas, quero ouvir o que dizem os colegas e a nossa orientadora, com mais esperança do que vergonha.

Aqui, alguma autocrítica me leva a questionar por que não vejo traço da ficção de que trata o curso e que promete o título. Só encontro uma explicação: se tudo o que escrevi é fato, os vazios foram preenchidos, também com letras, fora do texto.

6 comentários:

  1. Entender motivações e encontrar direções para as palavras!... Descobre, amigo, e me ensina, pra ver se eu tb descubro o que é que nos move nessa louca aventura de nos expor em palavras...

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  2. Viu você acabou de praticar a autoficção... conseguiu expor seus sentimentos de mtivação e alegria por ter se encontrado de uma maneira sincera e transparente!

    Pelo menos essa foi minha impressão!

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  3. Muito bom esse tiro certeiro!!! Que as palavras preencham cada vez mais os vazios...

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  4. Meu amigo,

    Uma alegria ler mais um texto seu. Na melhor tradição borgiana, a fantasia vem primeiro e , com o tempo, vira realidade. O figurado se transforma em literal e seus textos, sempre deliciosos, agora, são lembranças reais. Amanhã e depois volto para visitar suas memórias.

    Abraço ,
    Sergio

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  5. É muito bom quando descobrimos algo que realmente nos deixa feliz.
    Esse curso de autoficção te deu uma injeção de ânimo e um brilho nos olhos, meu amigo. E não há nada de fictício nisso.
    Na realidade, assim como você mesmo disse, são as letras preenchendo os vazios fora do texto!

    Adorei mais esse belo post.
    Bjs

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  6. Seria a realidade uma ficção ou a ficção uma realidade?
    Dificil a resposta. Ilusiva a pergunta.
    Uma coisa eu sei (e você, caro autor, tambem parece saber): a realidade e a ficção não caminham em vias opostas, pelo contrário, caminham lado a lado. Tanto que se confundem!

    Mais um bom texto e, agora, com perspectivas de que melhores ainda virão "na tampa da caneta".

    Abcs,

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