segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Daniel no Buraco do Coelho

Daniel tem quarenta mil namoradas. Quem afirma é Alice, os olhinhos brilhando de orgulho. Eu faço careta, mamãe diz que é melhor escolher outro, porque as coisas não funcionam assim: namorado é um só. Quantas namoradas você acha que seu pai tem? Ela diz que duas e eu fico em maus lençóis. Ela ri e me salvo. Mas o Dani terminou com a Luiza, diz com sorriso inocente. É verdade, insiste, enquanto conto nos dedos as trinta e nove mil, novecentas e noventa e nove que sobraram. A minha pré-adolescente de seis anos sofre de amor. Dobra o papel em dois porque quer escrever um cartão para ele. Desenha flores de um lado, corações de outro e me pede para escrever com as letrinhas de mãos dadas. Eu não posso rir, adverte. E começa sua pequena fantasia com a Barbie no lugar de Alice. Daniel é o príncipe da Barbie. E, com tamanhos diversos, todas as outras frases começam com o mesmo sujeito composto: Daniel e Alice. Ela não percebe, mas são eles que estão com as mãos entrelaçadas por uma letra. Eu brinco com a ansiedade dela: enquanto escrevo que eles estão no baile, digo que foram para o lixo; faço dele uma borralheira e o príncipe logo vira um tampinha. Deixo a menina nervosa; mas, quando não há mais espaço de um lado da folha, eles são felizes para sempre. Do outro lado, porém, o ciúme aparece na primeira frase. Concluo que Rani, a concorrente, também tenha terminado com ele. E agora, quantas restaram, além da minha própria filha? Alice gosta da ideia que tive, a de passear no bosque, e eles partem para lá na frase seguinte. Eu revejo minha sugestão e trago o lobo para resolver o problema. Na história que conto, Daniel já era, enche uma barriga enorme junto com a vovozinha. Na narrativa dela, escrita de fato, eles retornam do bosque para dormir; acordam e vão ao museu. Eu me pergunto, então, se o rapaz consegue acompanhar a minha menina até o país das maravilhas, onde o queijo branco é o brie e o bacalhau não dá vez à sardinha. Exigente, no último espaço que resta, ela ainda leva o menino ao casamento da Giulia. (Ele sabe mesmo onde está se metendo? No buraco do coelho, tudo acontece muito, muito rápido; por isso, o orelhudo está sempre atrasado.) Deixo príncipe sapo e outros bichos de lado e, por fim, releio com Alice cada frase do cartão, sem desvios para quaisquer dos meus labirintos imaginários. Com letras de forma, ela desenha o fim. Agradece com os olhos ainda brilhando, e eu ganho mais um beijo no dia dos pais.

4 comentários:

  1. Own, que coisa mais linda... que inocência!!!

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  2. Thiago não vai gostar nada de saber disso :P

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  3. Mas que confusão o Daniel está se metendo!!! Que príncipe fofo e que princesa encantadora!

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  4. Poetico, lírico, fantasioso e, pq nao, real.
    Os desejos inocentes de uma menina, o ciúme protetor de um pai.
    Traços tênue entre o real e o imaginário.

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