segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Do Café au Lait ao Pão com Patê

Aos domingos, o café da manhã era no apartamento ao lado. A louça era especial e o meu prato já estava pronto quando eu me sentava à mesa. O pão francês era cortado a mão em quadradinhos que levavam geleia por cima. A bebida que era servida na xícara combinava o frio com o quente, o branco com o preto: café au lait. A mesa era redonda e os pés não se esbarravam por baixo dela, mas podiam acabar tocando a campainha que ficava no chão. Servia para nada, porque ali, apesar da pompa do ambiente, não havia serviçais.

A pompa tinha ares franceses. Naqueles tempos, minha avó ainda nos dava o privilégio de suas aventuras culinárias e meu pai, apesar do momento de vacas magras, não perdia a chance de encomendar alguma iguaria aos viajantes que passavam pelo Free Shop ou de correr para a Feira da Providência atrás de um maravilhoso queijo fedorento. Assim, desde cedo, meu paladar se acostumou a provar de tudo um pouco; e meu olhar, a acompanhar a movimentação de Mami na cozinha. Por isso, nunca tive pena dos coelhos: dos miúdos que restavam, assoprar o pulmãozinho deles era diversão garantida. E jamais senti nojo das lesmas: os escargots me foram apresentados comme il faut – servidos com pinças e retirados com cuidado das conchas.

Naqueles tempos, as vacas eram tão magras que quase não havia carne nas refeições. Os frangos se revezavam com suas próprias moelas, ou as dobradinhas dos ruminantes. A canja trazia patas de galinha e pedaços de fígado cozidos. Eu passava do improvável ao óbvio sem tampar o nariz ou virar os olhos. Toda rejeição era, no máximo, uma bela pirraça. A francesa, ao contrário, sempre foi menos tolerante: incapaz de comer farofa, porque tinha a sensação de areia na boca; ou de misturar feijão ao arroz, por causa da cor e do aspecto.

Hoje é um prazer ter a companhia de Alice na cozinha. Com todo o cuidado, tento desfazer os mistérios e os preconceitos: os ovos são mexidos, a faca de criança corta com dificuldade o pepino, o que ela rejeita agora pode acabar aceito daqui a algum tempo (os cogumelos da pizza são uma conquista recente; a cebola, a maior das dificuldades). A minha ajudante diz orgulhosa que sabe fazer ovos no micro-ondas. E ela não se contém ao ver o brie: Oba! É o queijo branquinho que eu adoro. Quando passa o dia na casa da minha mãe, não precisa pedir: o queijo está lá esperando por ela. Se eles perguntam o que quer de almoço, ela não hesita: bacalhau, arroz, feijão e farofa. Se vocês pensam que criamos um monstro para os futuros pretendentes, nem tanto assim: o prato preferido dela é mesmo a farofa.

Lamento que não houve tempo para Alice provar o patê de fígado da Mami. No jantar de noivado do papai e da mamãe, nem a Fibi resistiu. A língua da cachorrinha no patê foi quase um sacrilégio. Mas, pensando bem, lamentaria por quê? Parece que o desafio culinário agora é tentar reproduzi-lo. Se minha avó não pode mais fazê-lo, e certamente não é capaz de reescrever a receita, ela pode ainda provar e, quem sabe, aprovar.

2 comentários:

  1. Se eu voltar a minha infância, este binômio cozinha-avó é quase imediato. Me lembro no frango assado com extrato de tomate, o macarrão com pimentões, o bolo de tapioca... ah, saudades de vó...

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  2. na minha familia qeem me ensinou a cozinhar foi o meu avô italiano... ele fazia o prato em panelas normais e eu imitava em mini panelinhas do lado... doces lembrancas
    mas puxei mesmo o dom da minha avó, que sabia fazer de tudo e sempre maravilhoso...
    amigos e marido me dizem que a minha comida tem gosto de comida de vó
    :-)
    era patê de figado de que, Rodolpho ? Galinha ?
    eu tenho uma receita dos tempos áureos... quer experimentar ?
    beijocas na alice linda e fofa que o klaus gamou !

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