terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Cozinha e Companhia

Em férias quase obrigatórias, desliguei: não escrevi, não pensei. Férias coletivas no fim do ano aliviam a correria dos compromissos natalinos, mas a temporada é alta e as possibilidades de viagens ambiciosas são reduzidas. A melhor solução é caseira, improvisada, desde que não seja para a Região dos Lagos ou outro lugar qualquer aonde a viagem de carro se torne um suplício. Preferimos e optamos pelo sossego e a boa companhia disposta a compartilhar dos mesmos gostos, mais especificamente dividindo a mesma cozinha.

Minha relação com a cozinha é curiosa. Ali exercito minha criatividade a partir de características que não se revelam em outra situação: sou bagunceiro, não sigo regras (por isso, não me arrisco com os doces). Sou quase irresponsável, mas costumo acertar. E ali, no meio das festas, fiz a ave turbinada do Natal com molho de damascos e amêndoas. Depois, em São Paulo, acompanhei a série gastronômica de nossos amigos como sous-chef: paleta de cordeiro, coxa e sobrecoxa de pato, bife de chorizo, ojo de bife, risotto de pera com brie, fettucine alfredo e carbonara. Pratos acompanhados por vinho e muita água na boca.

O sossego que desejamos passa longe da praia de Copacabana, a mesma onde passei os 20 primeiros anos da minha vida assistindo de camarote aos fogos da virada, com a casa cheia e a mesa farta. Não tenho saudades daquela confusão; por isso, o show programado este ano pela prefeitura para a noite do dia 25 de dezembro chegou a me dar arrepios. Felizmente, ninguém teve a idéia de proibir as pessoas de saírem de carro do bairro depois das 15 horas.

Não tenho mesmo saudades da confusão, mas me entristece telefonar para os meus pais e ouvir a festa reduzida a três, sem convidados. Lembro-me do cheiro daquela comida dos anos passados, da alegria sem fim e do choro da esperança, que a sensação de recomeço traz, vertido sobre o champanhe. E, logo, do formigueiro na rua, dos restos de fogos que, certa vez, queimaram a cortina e, de leve, o joelho de minha irmã. E, ainda, de um réveillon com temporal em que desistimos de uma festa na madrugada porque as formigas se protegeram nas marquises do prédio e não tive coragem de abrir a porta para sair. Eu tinha certeza de que elas entrariam.

Daí preferir as tentativas de ver um filme, mesmo que interrompido pelos eventuais conflitos entre as crianças ou pelos desejos delas. Daí jogar conversa fora, sobre os filmes que queríamos rever, sobre o prato que ainda não fizemos. Com ou sem brócolis. E, por que não é brócoli? Pelo mesmo motivo que não existe lápi. Mas por que essas palavras não se libertam da letra esse no final? Porque nunca vêm sozinhas. É o caso dos lápis e dos ônibus, sempre em quantidade. E o púbis? Tem a metade da direita e a da esquerda. E o pênis? Para gargalhar e diferenciar do penne.

Daí preferir passar os últimos dias do ano na cozinha, tomando vinho.

Um comentário:

  1. MA-RA-VI-LHO-SO!
    Vc não vai acreditar, mas nesse fim de ano tb me bateu aquela vontade de desligar, uma abstinência da escrita. E hj, na cozinha, me peguei observando esta minha estranha relação com o ato de cozinhar e estágios sublimes de felicidade (como o que me encontro agora, em férias, rsrsrs) e cheguei a pensar na possibilidade de ser um viés para um post... rsrsrsr
    Happy New Year pra vcs!...

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