domingo, 14 de novembro de 2010

Entre Pitadas de Vargas Llosa e Gonzaguinha

Se existe um tratado de amizade entre Brasil e Peru, meus pais assinaram no início da década de 80. Meu irmão ainda não era um acaso, nem sonhava nascer, quando meu pai passou dois meses em São Paulo fazendo um curso. Voltava ao Rio todo fim de semana, de ônibus, para nos ver. Lá, não era tão ruim assim... fez logo um grupo de amigos com um colombiano e Enrique, o peruano. Depois do curso, Enrique esteve aqui com a esposa, Esther, e filhos. Depois, meu irmão com menos de um ano, estivemos todos em Lima. Desde então, todos os amigos de Enrique, ou amigos dos amigos, vinham ao Rio com a referência de meu pai. E, assim, fizeram-se outras amizades.

German e Betty não pareciam turistas. Enquanto estavam lá em casa, eram parte da família. Se um casal pode escolher outro como casal irmão, era precisamente o caso deles com meus pais. German ia comprar o pão antes do café da manhã; saía para comprar queijo e presunto para o lanche do fim de tarde. O casal passeava sozinho na orla, acompanhava a família nos passeios. Num Fluminense e Vasco inesquecível de 89, pelo campeonato do ano anterior, ele e meu pai foram ao jogo. Minha mãe foi dormir, enquanto a saudosa Betty ficou esperando o marido e eu roendo as unhas até os minutos finais da prorrogação. German estava no Rio a trabalho quando minha irmã fez 15 anos. Veio com Emilio, outro que faz parte do tratado. E no dia da festa, chegaram as esposas Betty e Blanca, bem tarde porque o voo atrasou, mas ainda em tempo de curtirem o fim da comemoração.

Quando descobriu meu gosto por livros, Emilio me deu de presente um de Vargas Llosa, chamado a Guerra do Fim do Mundo, que trata de um dos episódios mais fascinantes da história do Brasil – Canudos. Não foi o único presente que ele me deu. Depois de passar o réveillon do ano 2000 com toda a família na casa de meus pais, seu presente foi Cusco em minha viagem de lua-de-mel no ano seguinte; mais que a viagem, a hospedagem, a programação e o carinho. De certa forma, Emilio, o pai, foi também responsável pela continuidade do tratado na segunda geração. Emilio, o filho, é apaixonado por futebol, criamos juntos uma hinchada internacional, em que la U ganhou um torcedor carioca e o Fluminense arrebatou um tricolor limenho. Durante a Libertadores de 2008, ele era companhia certa na Internet depois dos jogos, quando a adrenalina ainda se recusava a baixar e o computador era o meu refúgio na noite insone.

Aliás, grande colaboradora de Emilio pai foi a Internet e suas redes sociais. Hoje estamos todos conectados: eu e filhos de cada um dos que foram citados aqui. Mas há tempos não nos vemos em carne e osso (a terceira geração nem se conhece). O último a aparecer foi Enrique, há mais de seis anos, meses antes de falecer. Na próxima terça-feira, chega Esther, trazendo consigo o tratado de amizade em papel amarelado para que seja revalidado, apenas para cumprir protocolos burocráticos. Com ela, vem uma das grandes lembranças da minha infância: o sorriso aberto de Enrique, já adoçado pelo açúcar da caipirinha, repetindo os versos de Gonzaguinha, quase contando as sílabas. E meu pai, fazendo coro.

E a vida o que é? Diga lá, mi hermano.

É bonita! É bonita! E é bonita!

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