terça-feira, 28 de setembro de 2010

Picoleris y Cocolis

Alice assiste à televisão e vê um Harry Potter. Hein? Ela ri. Reconhece que não consegue falar. Insistimos então: he-li-có-pte-ro. Ela repete e chega muito perto. Sabe que falta pouco para ter alta. Falta apenas colocar a linguinha para dentro e falar so-fá, sibilando como uma cobra, sem escorregar dali para o fofá. Também não temos mais dúvidas, mesmo que o berrezinho seja ainda o filhote da vaca, que logo sentiremos saudades da choconete quando estivermos deitados na sala brincando de cinema com a pequena Remione.

Já se foi o tempo de comer arroz com pentão, de escolher aquele mate e não o outro, que faz arder a boca; e da picoca, salgada para acompanhar os filmes e doce quando era um dos apelidos dela. Na mesa da sala, entre um laptop e outro, no lugar que ela escolheu, está o antigo pumpador, que hoje já deixou de sê-lo – tem nome e dona, é o computador da Alice. Ela não dirá mais que o papai é baluto, ou balutão, porque perdeu seu tempo fazendo um glossário de palavras esquecidas, que ele acha que não pode esquecer. Mas eu anoto, enquanto é tempo, agora que ela já sabe quase tudo e podemos rir das lembranças mais gostosas de Alice vencendo as provas de comunicação e expressão. Registro desde os gestos, que deixaram palavras para depois: o dedinho que apontava para comida, depois para boca, e aquele coçar inconfundível de bigodes para chamar o Seu Carlos na creche.

Mais tarde, se gostar de escrever como o pai, ela já terá criado sua primeira palavra graças ao meu pequenino dicionário: estremida significa arrepiada. Para ilustrar, a imagem da menina que tirita de frio enrolada no roupão dizendo: Olha os meus pelinhos! Se preferir tradução como a mãe, ela fará questão de explicar que o título que escolhi não vem de um dialeto sinistro; ele traz plurais criativos de uma criança que não tem medo de errar e o ípsilon é apenas um capricho meu. Se quiser rasgar o papel, com vergonha, como se fosse uma foto amarelada do primeiro banho com um amiguinho, vou teimar repetidas vezes, até cansar:

Quiapoquinho, filha. Papai não acabou de ler.

3 comentários:

  1. Ahhh que lindinha!!! Continue anotando tudo... eu adoro ver as anotações no papelzinho que minha avó guarda, com todas as palavras que eu "inventava"!! rs

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  2. Bernardo, além de ainda bancar o Cebolinha de vez em quando, ainda tem uma deliciosa de ouvir... ele compra frutas no "fufetutti"....

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  3. Frederico gosta de repetir, com aquele ar superior de criança grande, que quando ele era bebê, chamava cavalo de "pocó", suco de "cuco" e água de "tiau". Como se fosse numa galáxia muito, muito distante...

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