segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sábado

A menina desfila pelos corredores de saia lilás e blusa branca. Caminha ao lado dos pais, mas segue independente. Segura a bolsinha com o braço direito, que permanece firme, deixando a mãozinha pendente. Ela está numa feira de livros infanto-juvenis e carrega consigo um caderno de anotações aleatórias, onde escreve as palavras que aprendeu na escola. Procura livros cheios de letrinhas pelo caminho. Recusa folhear inclusive aqueles que parecem mais apropriados à sua idade, com ilustrações e frases mais curtas. Quer ser adolescente antes mesmo de terminar a alfabetização.

Ela entra em casa cheia de livros novos, de todos os tipos e tamanhos. Vai para o quarto com a mãe selecionar para doação os livros de bebê que ainda restam. Volta para sala para curtir as novidades, procurar palavras, ler ao lado do pai. E, de repente, todos se lembram de que ela tem dever de casa para fazer. É o navio que passa, a neve que cai, o ninho que está vazio, o novo que deixou de ser, o número da vez, o não para a televisão. Ela copia as palavras, preenche as lacunas. Aprende o que é um novelo. E hesita apenas na leitura das sílabas do mês de novembro, ainda distante e complicado.

A menina termina a tarefa e procura por outro caderninho, que trouxe da escola: uma agenda telefônica feita à mão, onde cada página é dedicada a um amigo, também às auxiliares e à professora. Em cada uma delas, um nome, um desenho e um número. Acostumada com conversas em viva-voz com as avós e as tias, redescobre o telefone: encaixa a orelha para ouvir melhor, entender as diferenças entre os sinais de linha e de ocupado, perceber que as vozes podem mudar à distância.

Ela transforma mais essa novidade em obsessão. Tecla números sem parar até encontrar alguém que atenda ao chamado. Depois que consegue, ela e o amigo intercalam ligações, para falar do tempo de hoje e da festa de domingo, para tentar encontrar outros colegas e dividir as proezas. Assim que percebe a curiosidade dos pais, esconde-se no quarto, atrás de privacidade, para contar segredos, para exercitar o dom especial de falar sem parar.

Os pais da menina se divertem com a novidade que traz recordações. A mãe garante que nunca foi chegada a um papo ao telefone. O pai lembra que monopolizava o aparelho nas noites de domingo, depois das partidas de futebol. Tempos em que ainda discavam os números, usavam fichas, desenrolavam o fio e colocavam o fone no gancho. E assistiam com enorme curiosidade às vídeo-conferências da família Jetson.

Eles se divertem até o ponto da obsessão. E diante da impossibilidade de controlar o momento de excitação, aproveitam para rever com a filha as regras de comunicação, para fixar as aulas de boa educação. Antes que ela perca o costume de dizer por favor, engula palavras ao falar e desapareça com as letras ao teclar. Antes que ela peça uma extensão no quarto, um celular no bolso, ou um tablet.

A menina agora pede os controles. Quer ver televisão antes que o sábado termine.

2 comentários:

  1. Uma delicadeza!Adorei
    Ana Maria

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  2. muito lindo esse texto...leve e suave como a Alice...
    Luciana Zazyki

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