Ela entra em casa cheia de livros novos, de todos os tipos e
tamanhos. Vai para o quarto com a mãe selecionar para doação os livros de bebê
que ainda restam. Volta para sala para curtir as novidades, procurar palavras,
ler ao lado do pai. E, de repente, todos se lembram de que ela tem dever de
casa para fazer. É o navio que passa, a neve que cai, o ninho que está vazio, o
novo que deixou de ser, o número da vez, o não para a televisão. Ela copia as
palavras, preenche as lacunas. Aprende o que é um novelo. E hesita apenas na
leitura das sílabas do mês de novembro, ainda distante e complicado.
A menina termina a tarefa e procura por outro caderninho,
que trouxe da escola: uma agenda telefônica feita à mão, onde cada página é dedicada
a um amigo, também às auxiliares e à professora. Em cada uma delas, um nome, um
desenho e um número. Acostumada com conversas em viva-voz com as avós e as
tias, redescobre o telefone: encaixa a orelha para ouvir melhor, entender as
diferenças entre os sinais de linha e de ocupado, perceber que as vozes podem
mudar à distância.
Ela transforma mais essa novidade em obsessão. Tecla números
sem parar até encontrar alguém que atenda ao chamado. Depois que consegue, ela
e o amigo intercalam ligações, para falar do tempo de hoje e da festa de
domingo, para tentar encontrar outros colegas e dividir as proezas. Assim que percebe
a curiosidade dos pais, esconde-se no quarto, atrás de privacidade, para contar
segredos, para exercitar o dom especial de falar sem parar.
Os pais da menina se divertem com a novidade que traz
recordações. A mãe garante que nunca foi chegada a um papo ao telefone. O pai
lembra que monopolizava o aparelho nas noites de domingo, depois das partidas
de futebol. Tempos em que ainda discavam os números, usavam fichas, desenrolavam
o fio e colocavam o fone no gancho. E assistiam com enorme curiosidade às vídeo-conferências
da família Jetson.
Eles se divertem até o ponto da obsessão. E diante da impossibilidade
de controlar o momento de excitação, aproveitam para rever com a filha as
regras de comunicação, para fixar as aulas de boa educação. Antes que ela perca
o costume de dizer por favor, engula
palavras ao falar e desapareça com as letras ao teclar. Antes que ela peça uma
extensão no quarto, um celular no bolso, ou um tablet.
A menina agora pede os controles. Quer ver televisão antes
que o sábado termine.
Uma delicadeza!Adorei
ResponderExcluirAna Maria
muito lindo esse texto...leve e suave como a Alice...
ResponderExcluirLuciana Zazyki