sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Entre Amigos

Pensei em você assim que acabei de ler o conto de Cortázar. Começa com uma briga. E eu achei que a sua vida recomeçaria assim, depois de uma briga. Você levou a pior, levou um soco covarde, por trás, não foi? Fomos todos para o hospital: amigos em quantidade – eram tantos que seu pai fez uma lista de presença. Guardo comigo a foto que tirei enquanto você dormia para eu não me esquecer das cores do seu rosto naquela noite, antes da operação.

Estavam todos lá, no hospital, inclusive aqueles com quem treina a arte de se defender. Para mim, um dos problemas esta aí: qualquer arte marcial inevitavelmente aproxima o lutador da violência. A combinação de todas elas não diminui o risco. O limite é tênue. Aprendi nas aulas de judô que fiz quando era criança que o equilíbrio é dado pela disciplina e pelo respeito: no início e no fim das aulas fechávamos os olhos por alguns segundos, fazíamos uma reverência ao professor e outra a uma fotografia imaginária do mestre Jigoro Kano.

E o seu mestre fez o que tinha de fazer: você se lembra do esporro?

Na história que li, Planck deixa o adversário no chão. Depois, suas mãos não param de crescer. Elas pesam como as suas, que ainda não sabem onde se segurar. As mãos deles pendem quase inertes, arrastam-se no chão. As suas também, mas permanecem fechadas como se ainda quisessem bater, tivessem contas a acertar. Com quem? Seus pais? Eles não merecem passar por isso. Seu algoz? Ele merece ser esquecido.

O protagonista do conto encontra enormes dificuldades para abrir portas e passar por elas. Resolve procurar um médico. Você deveria procurar ajuda também. Até bem pouco tempo, eu me achava capaz de resolver tudo sozinho (era pior, porque as minhas dificuldades não eram tão transparentes como o que acontece com as suas mãos). Perdi a minha vergonha na marra. Perca a sua: peça ajuda. Você é querido, tem amigos... não pode deixar que suas mãos fiquem maiores que o seu coração.

Acho às vezes que há medo no seu olhar, que a vista que você quase perdeu talvez não enxergue mais. Porque ela parece confundir as coisas. Não se deixe acabar como Planck: quando volta a si, não sei se ele se deixa confundir ou quer se enganar: conclui que apenas em sonho implorou para o médico arrancar as mãos que cresciam. Em seguida, quando quer brigar de novo, só lhe restam os cotocos.

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