quinta-feira, 5 de novembro de 2020

As diversas mortes do futebol

O futebol morreu pela primeira vez quando meu pai brigou com o porteiro do prédio. O ingênuo funcionário não sabia que ensinar o hino do Flamengo para o meu irmão de 4 anos era um crime muito grave.

Morreu de novo quando o pai de um amigo da escola achou que era divertido pilhar o meu velho depois de um copo de uísque. Não, nunca houve agressão física, mas aqueles olhos vermelhos e o tom de voz ameaçador sempre me assustaram. No entanto, o futebol era o melhor programa que eu, um menino introspectivo, tinha com o melhor amigo (claro, o meu pai).

Até chegar à faculdade nunca tive muitos amigos tricolores. O sentido de minoria para mim sempre foi algo palpável graças ao futebol. Por outro lado, na turma da engenharia civil da UFRJ, por milagre, tinha até Fla x Flu nos churrascos. Assim, o futebol sobreviveu durante algum tempo.

O futebol voltou a morrer pouco antes de eu me casar. O fanatismo da família, eu incluído, sempre incomodou a Nane. Fomos uma única vez juntos a um jogo (Fluminense x São Paulo, nas Laranjeiras) para nunca mais. No nosso casamento, cuja festa se realizou no salão nobre do clube, o hino do Fluminense foi proibido. Uma decisão tomada pelo casal e respeitada por todos os presentes. Foi uma vitória do bom senso.

O nascimento de Alice me afastou ainda mais dos estádios, mas foi a proximidade com a política do clube que matou o futebol pela quarta vez. Conselheiro por dois mandatos, deixei de ir progressivamente aos jogos até a fatídica Libertadores de 2008 – uma exceção, recompensada pelos últimos momentos mágicos que vivi.

Depois, a bola se limitou a rolar online ou em pequenas comemorações com os amigos. Nem os títulos brasileiros de 2010 e 2012 foram capazes de mudar essa situação. A ida ao Maracanã se tornou eventual. Levei Alice apenas duas vezes: uma delas ainda em 2008, na despedida do Thiago Silva; a outra em 2015, contra o Goiás e na companhia de outros amigos com suas crianças. A primeira foi uma estupidez (ela tinha 3 anos); da segunda, não me arrependo.

Desde as eliminatórias da Copa de 2014, de uma certa maneira, troquei o Fluminense pela seleção francesa. E, nos últimos anos, fui a mais jogos da Superliga de vôlei feminino que aos estádios de futebol.

Há pouco tempo compreendi que o futebol morreu de vez naquele mesmo ano de 2015. Tinha prometido levar o Diogo, meu sobrinho Winarski, para fazer sua estreia no maior do mundo (hoje em dia, meio acanhado apesar de mais moderno). Chamei meu pai. Fomos os três. Chegamos atrasados, e ganhamos um presente inédito: debaixo de chuva, subimos a rampa do Maracanã no carrinho elétrico que ofereceram para levar o senhor idoso que nos acompanhava. Chovia muito, muito mesmo, mas foi divertido, apesar da derrota contra a Chapecoense.

Aquele jogo foi o último de pai e filho nos estádios. Ali, tudo o que eu entendia por futebol quando era criança foi finalmente sepultado.

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