domingo, 19 de abril de 2015

Coragem

– Agora, é ela quem está do outro lado.

Com um abraço, Aninha trouxe assim as lembranças de nossa infância. De um tempo em que o meu refúgio era o apartamento da Mami, escolhendo os livros na biblioteca ou folheando uma nova aventura na cadeira de balanço que ficava na sala de jantar, em frente ao espelho. E quando Aninha ligava procurando por mim, Mami respondia que eu estava lendo, que eu estava do oootrrro laaado.

O outro lado era a casa dela.

...agora, o outro lado é para sempre.

Em seguida ao abraço, as minhas lembranças encontraram as lágrimas da minha irmã, que chorava sentada no canto da capela com as costas afastadas do encosto da cadeira e as pernas esticadas. Naqueles tempos, era ela quem me fazia companhia do outro lado, nas aulas de francês que Mami nos dava ou para saborear uma gelatina depois do almoço. Ali, Dominique exercitava também sua curiosidade sobre os segredos de nossa avó.

A casa da Mami era um lugar de muito silêncio e de muito mistério. À noite, com as luzes apagadas, chegava a ser assustador passar por ali.

... o outro lado é um lugar sagrado.

Depois de trocar olhares com Dominique, dei com o rosto trancado de Tito, meu irmão, e com a presença dos nossos amigos de infância no velório: Joaquim, Marcela, Alexandre, Paulo Raphael. Eram todos netos adotivos da Mami.

E ali me perguntei, afinal, qual o legado que ela nos deixou? O que havia do outro lado que nos fez tanta diferença, além de cultura, fé, amor e segurança?

Lembrei-me então dos passos arrastados, do carinho nos cabelos e das palavras de ordem de todas as minhas manhãs:

– Vamos, vamos minha gente. Está na hooorrra.

E se demorássemos, ela continuava:

– Corrraaage. Corrraaage...

Coragem é o que Mami trazia de casa.

6 comentários:

  1. Que lindo texto. Singelo e tocante. Abraço em vocês todos.

    ResponderExcluir
  2. Intenso!
    Sinto muito pelo vazio que ela deixará. E me alegro pelo baú enorme e cheio de histórias encantadoras que você acabou de herdar! Como esta, que acaba de contar!
    Com muito carinho,
    Da Família Barros

    ResponderExcluir
  3. A saudade é a prova de que o que se viveu valeu a pena. Um abraço, Rodolpho.

    Carlos Leonardo.

    ResponderExcluir
  4. O outro lado é aqui pertinho!!!!!!!!!! ;)
    Amo vcs "de com força"!!!!!!!!!

    ResponderExcluir
  5. Oi Rodolpho, bom te ver escrevendo sobre tua avó, sobre essas lembranças tão boas e estruturantes da infância. Creio que de onde ela estiver, vai continuar dizendo a todos vocês corrraaage, que, afinal, é o que a vida mais quer da gente. Grande abraço, Ana (a Maiolino agora)

    ResponderExcluir