terça-feira, 22 de outubro de 2013

Aos Dezoito

– Tudo o que eu queria era estar longe dali – disse para mim, deitado na rede que servia de divã. Esparramado, com uma das pernas pendentes para o lado de dentro do apartamento, fez ali algumas confissões. Eu estava no sofá. Não era o analista. Anotei, portanto, só o que me interessava.

Aos dezoito, Amarante escrevia crônicas esportivas depois das resenhas de domingo. Porém, os pedaços de papel rasgado não davam crédito nem ao desejo. Ninguém lia aquelas bobagens. Ele jogava tudo no lixo. Naquela época, sonhava também com as Olimpíadas em Barcelona. O presente de aniversário, no entanto, foi muito mais útil: um carro para ir à faculdade.

– Meu pai dizia que eu merecia o presente, que a faculdade não era paga. Embora preferisse os jogos, fiquei com o Gol. – E com um suspiro, completou – Bom para sair à noite com os amigos. Quer saber, bom mesmo para ir embora do Fundão.

Amarante rabiscava outras bobagens nas aulas de filosofia da natureza. Antes de se inscrever na disciplina, achava que poderia ser divertido, uma distração para o cálculo e a física. Porém, as aulas de filosofia eram repetitivas, quase um feitiço do tempo, mas o professor sequer se parecia com o Bill Murray. Por isso, escrevia, sem rimas, alguma poesia. A maioria delas está guardada numa pasta de couro.

– São impublicáveis – respondeu quando insisti que me mostrasse. – Servem agora para eu reconhecer aquele eu de dezoito anos. Um cara esquisito.

Gostava mesmo de escrever contos, a qualquer hora, no escritório do apartamento da avó, onde ficava o computador. Na escrivaninha, usava lápis e borracha para o primeiro rascunho; depois, um editor de textos chamado Pangloss. A tela ainda era preta, e as letrinhas verdes faziam doer os olhos. Era ali que, durante horas, as histórias ganhavam corpo. Enquanto bolava os programas em Pascal para a faculdade, as horas também passavam, mas pareciam perdidas.

– Um dia eu bati com o carro, indo pro Fundão bem cedo e morrendo de sono. Fiquei revoltado. Resolvi matar todas as aulas do dia. Passei a manhã no escritório, escrevendo. – Amarante levantou a cabeça, apoiou o pé no chão e perguntou, olhando fundo nos meus olhos – Eu era, ou não era, um sujeito estranho?

Lia muito. E de tudo. Com Holden Caufield, eram duas agulhas no palheiro – caso típico de quem leu o livro de Salinger na hora certa. O estudante de engenharia leu também As Veias Abertas da América Latina, A História da Riqueza do Homem, O Homem e seus Símbolos, dentre outras, neste caso, divagações. E passava horas na biblioteca da avó pinçando qualquer coisa, folheando inclusive os livros didáticos de latim do colégio de seu pai, antes de voltar aos livros de guerra e espionagem.

Perto de casa, tinha aulas de francês. Embora se identificasse mais com o idioma da avó, preferia as de inglês, porque o curso de treinamento para professores oferecia dois módulos imperdíveis: Drama e Literatura. Sófocles e Poe. Shakespeare e Joyce.

– Aliás, não sei por que estou fazendo drama. Graças à engenharia, posso pagar os seus serviços – concluiu, antes de me dispensar. – Agora quero ler um pouquinho.

Um comentário:

  1. Andei muito naquele Gol, cara! E me lembro de fazer pelo menos UM trabalho no computador que você falou - foi no dia do Brasil x Suécia na Copa de 94, 1 x0, gol do baixinho, lembra?

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