quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Sempre Sofrido

As cuidadoras pediram demissão há três semanas. Imagina o desespero: eles têm um mês para substituí-las. A procura é difícil, as entrevistas angustiantes, as negociações sem fim, ou com um fim indesejado. Calejada, mas muito cansada, a nora se esforça para se manter de pé e tomar as decisões: conhece os riscos, físicos e financeiros, de uma escolha errada. As novas acompanhantes precisam ser fortes para aguentar o peso, ter boa referência e um olhar sincero para diminuir as chances de um futuro encontro no tribunal. Já se sabe que não há transparência nessas relações, e todas as alternativas são cercadas de dúvidas: em geral, elas mesmas não querem assinar carteira; e, para piorar, não são sequer suficientemente treinadas. O filho se antecipa, radicaliza, desconfia, instala câmeras, impõe novas regras ao cotidiano: eles não a deixam sozinha em casa, mesmo com alguma cuidadora presente. A imobilidade se torna uma doença contagiosa.

Há poucos dias deu infiltração no vizinho. Vão começar a quebrar o banheiro na segunda-feira. Onde ela vai tomar banho? Neste caso, resta apenas a criatividade das gambiarras, extensões que levem a água para onde seja possível se acomodar. A nora pede socorro, chora. O filho se revolta, bate nas paredes. Não há o que fazer.

É domingo, fim da tarde. Ouve-se fogos e a comemoração nas ruas. O telefone toca. A nora atende, abre um sorriso para dizer: Ganhamos! Passa para o filho, que mal consegue falar. A alegria momentânea se mistura às dores permanentes: Você viu? Sempre sofrido. O aparelho chega enfim as mãos trêmulas daquela que centraliza as atenções:

– É o seu neto – anuncia o filho.

Ela se esforça, mas não entende uma palavra do que o neto diz. No fundo, porém, sabe bem o motivo da conversa:

– O seu pai está muito feliz – ela afirma.

É domingo, início da noite. O neto veste a camisa tricolor e sai às ruas para curtir um pouco aquela vitória. A nora já se prepara para dormir. E o filho liga a televisão: quer ver e rever os gols, assistir a todas as resenhas esportivas, acompanhar a chegada do time campeão brasileiro ao aeroporto. Todos querem se esquecer de que amanhã é segunda.

Um comentário:

  1. Sim... Mas sem esquecer a conquista sofrida, embora aparentemente fácil, do time tantas vezes campeão.
    Parabéns pelo belo texto!

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