domingo, 2 de setembro de 2012

Dalila em Meia Conversa

Quando o celular da mulher que estava sentada ao meu lado tocou, abri os olhos e parei para prestar atenção:

Filha, você não está me entendendo... isso que você fez foi burrice. Por que cortou o cabelo? O Johnny vai ficar irritado quando souber. Ele disse que precisava de uma menina loira com cabelo na cintura. Não era no pescoço; era na cintura! E só tirou as fotos porque eu insisti. Você não lembra? O prazo já tinha terminado. Era domingo, esqueceu? Agora, se você for chamada, podem até recusar o seu teste. Nunca mais você terá outra chance. E quando ele souber, vai me esculachar. Perdi a cartada. Que burrice, Dalila! Era a chance da sua vida. Pra trabalhar na TV, ganhar muito dinheiro. Não é isso que você quer? O quê? O que você está me dizendo? De preto?! Não bastava cortar, você tinha pintar também! É o fim. Pra mudar o visual, sei. Eu preciso repetir, Dalila? Ele precisava de uma menina loira com cabelo na cintura. Você não entendeu mesmo... Liga pra ele. É, diz pra ele que cortou o cabelo, que pintou o cabelo, que queria acabar comigo. Como eu posso ficar calma, Dalila? Não, você não vai falar com seu pai. Eu não quero que ele se meta na sua vida. Filha, aquela novela dá uma projeção enorme, é o caminho do sucesso! Era, né? Não, não estou dizendo que você já perdeu a chance, mas está se esforçando bastante pra isso. Mas se você perder o teste, vai se ver comigo. Já combinou com a Mabel? Ela sabe onde pega o ônibus. Então, tá esperando o quê? Liga logo pra ela, menina. Não tenho dinheiro pra táxi. Já disse, esquece o seu pai. O que você já falou com ele? Pra que fazer um curso de interpretação? Não precisa disso. Primeiro, põe uma peruca e faz o teste. Não, não estou brincando. Depois que for selecionada, e estiver ganhando muito dinheiro, pode fazer o que quiser. E eu não tenho dinheiro pra pagar! Não, já disse que quero o seu pai fora dessa conversa. Ele paga uma mixaria de pensão. Não vai pagar seu curso, não quero que ele pague. Por hoje chega, Dalila. Só falta você aparecer com uma tatuagem agora. Hein? Você tem uma tatuagem? Não acredito no que você está me dizendo! Você se superou agora. Eu devo estar sonhando. Que tatuagem, menina? Quando você fez? Atrás da orelha, Dalila? E você cortou o cabelo pra mostrar a tatuagem... Deve estar quase careca, então. Duas estrelas: uma verde e outra dourada... Não acredito mesmo, Dalila. Você pirou de vez. Pelo amor de Deus, chega! Se você não quer se dar bem, é problema seu. Mas não vem me pedir dinheiro, não, tá? Vou chegar tarde hoje. Amanhã a gente se fala. Isso, depois do teste. E se não tiver teste, é melhor você não aparecer. Tchau, Dalila.

A mulher desligou o celular e deu um suspiro. O meu suspiro veio em seguida, foi ainda maior que o dela. Acho que ela percebeu.

Depois que desci do ônibus, sentei no banco da praça, tirei o caderno da mochila e desandei a escrever. Pretendia que fosse um tratado contra aquela mãe. Desisti: arranquei a folha e amassei.

Mais tarde, em casa, voltei ao tema: preferi colorir a meia conversa com um pouco de imaginação, decidi dar personalidade à Dalila, acreditar que a filha tem salvação.

2 comentários:

  1. Nossa...é cômico,mas é triste, né? Tadinha da Dalila. Eu gostei dela, de qualquer forma,me pareceu transgressora. Abraço, Susana.

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  2. Dalila queria ser crooner de uma banda de rock e sua mãe queria que ela fizesse teste de paquita...

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