Eu permaneço calado, tentando pensar em alguma coisa que
talvez nos aproxime em momento tão improvável. Parece sempre muito cedo para
raciocinar, mas encontro espaço para a obsessão da semana: as dezenas que teimam
em entrar na cabeça de Alice.
A ideia de aproveitar a numeração dos prédios só funciona
quando chegamos à esquina da rua onde fica a creche. Até ali, apenas os números
centenários das portarias da Voluntários. O número da casa que fica na calçada
oposta, um laboratório, é oitenta e oito. Ela diz que não vê, a árvore esconde;
um cachorro late e distrai a menina. Para seguir em frente, eu garanto que vamos
encontrar outros números.
Agora afobada, ela encontra a casa oitenta e nove. Eu confirmo
a dezena: muito bem, é oitenta! Mas o número que vem depois não é o nove... Ela
mesma se corrige: é oitenta e dois. Dali em diante, Alice interrompe o passeio diversas
vezes. E eu ignoro a pressa habitual e espero, com muita paciência, que ela
diga cada um dos números – quase todos certos. A hesitação aparece apenas quando
ela confunde o sessenta com o setenta, e vice-versa.
Depois do beijo de despedida, fico com o sorriso banguela e
as dezenas na cabeça. Não tenho certeza ainda de que o problema está resolvido.
Retorno pelo mesmo caminho revivendo os números, satisfeito com o interesse
dela e com o tempo que passamos juntos. Até chegar ao ponto de ônibus, curto
uma ingênua sensação de dever cumprido. Quando encontro o meu assento, coloco
os fones de ouvidos e tento adiar as lembranças dos compromissos que tenho pela
frente.
Volto tarde para casa. Alice já está deitada, mas levanta
assim que ouve a minha voz. Finge que não me vê, pergunta para Nane se vou
demorar, diz que precisa falar comigo. Quando
dá as costas, ganha o meu abraço surpresa e sorri com a gengiva. Vamos juntos até
a cama, onde deito com ela por alguns minutos. Ela pede algum carinho antes de
eu ir embora.
À mesa, Nane tem novidades. Conversamos enquanto eu preparo um
lanche e ela ainda trabalha. Diz que na agenda da escola veio um elogio para
Alice – parece que ela foi muito bem no dever de matemática. Desta vez, aquela
mesma ingênua sensação de dever cumprido toma conta de mim: será que foram as
dezenas que encontramos pelo caminho?
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