quinta-feira, 10 de maio de 2012

O Siso e a Catarata

Segui as instruções: tomei dois comprimidos do antibiótico um par de horas antes da cirurgia. Eu já tinha experiência em arrancar dentes: foram quatro na adolescência, para abrir espaço na arcada, fazer descer os caninos que teimavam em parecer dentes de vampiro. Mas era minha primeira vez com um siso. E são tantas as histórias ouvidas por aí que, não nego, fiquei apreensivo. Graças aos dentes arrancados há mais de vinte anos, os meus sisos se acomodaram de maneira aceitável no espaço que encontraram. Não tinham me dado muito problema até então. Lembro-me vagamente das dores provocadas por um deles, que nasceu revoltado, coisa resolvida rapidamente com um anti-inflamatório. Agora, um deles pedia socorro – caso para canal. Decidi tirar.

Fiquei sonolento ainda no trabalho. Resolvi então pegar um táxi do Centro para Copacabana. Como de costume, cheguei um pouco mais cedo no consultório, antes das 18h. No entanto, daquela vez havia uma razão: eu tinha que assinar os cheques pré-datados de todo o tratamento, que ia muito além da extração. Confesso que tive muitas dificuldades para fazê-lo. Não acertei uma assinatura sequer, ficaram todas interrompidas, estranhas mesmo. Pelo menos, elas não pareciam falsificadas e os valores estavam certos. Acho que a dose dupla de antibiótico me deu um barato, não estava me sentindo normal, estava aéreo. Estranho...

Mas não estava tão bêbado como meu pai no dia em que fez a cirurgia de catarata. Naquele dia, quando cheguei ao hospital, disseram-me que ele teria que esperar mais o que normal para sair. Por causa do nervosismo, tiveram que sossegar o leão antes da cirurgia. Assim que entrei no quarto, pude constatar o quanto ainda estava grogue: chamava uma enorme enfermeira de gatinha.  Ele me pediu para ligar a televisão, uma daquelas antigas de catorze polegadas, que pegava a Globo, a Band e nada mais.  A novela das oito não interessou. Mesmo com alguma interferência na imagem, preferiu a Tiazinha, nome que deu a todas as modelos que apareceram com trajes diminutos nos comerciais de tele-sexo. Eu ri sozinho.

De tempos em tempos, enquanto esperava minha mãe voltar de casa, eu tentava puxar assunto para verificar se os efeitos das drogas calmantes tinham passado. Como a minha capacidade criativa tinha limite, perguntei finalmente como tinha sido a cirurgia, e se ele estava se sentindo bem. Entre risadas, ele devolveu a pergunta: O que você acha? E respondeu em seguida: Colocaram o seu pai de sapatilhas, toquinha e um vestido aberto nas costas. Você acha que eu estou bem? Boas intenções eles não tinham, meu filho.

Quando minha mãe chegou, ele já estava sóbrio e pudemos partir.

E não pensem que me esqueci do siso. Para meu espanto, saiu muito fácil, em menos de dez segundos estava na mão do dentista.

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