domingo, 15 de janeiro de 2012

Epifania

Foi uma decepção quando substituíram a surpresa pelo feijão. A irmã queria encontrar o anel da princesa; mas o gatinho de porcelana também servia. A avó francesa, que não comia feijoada, muito menos farofa, até fazia algumas concessões – a coroa vermelha do Medieval Times, por exemplo, durante muitos anos substituiu a dourada, que acabava rasgando com o tempo ou não era tão firme quanto deveria. Por isso, o consenso: feijão era demais, quase ultrajante. Antes fossem as favas de fato.

A Galette de Rois era comprada pertinho de casa, em Copacabana, e a celebração se dava no lanche do fim de tarde, depois que o pai chegava do trabalho. A mãe cortava as fatias e as colocava cuidadosamente nos pratos. Fazia sempre aquela cara de sonsa, de que não sabia onde estava a surpresa ou o feijão; como se estivesse procurando, chegava a cavoucar o recheio para disfarçar. Porém, a conspiração ia muito além da teoria, as duas crianças mais velhas tinham certeza.

Ficou óbvio quando começaram a aparecer convidados: o prato sorteado era daquele amigo que nunca havia participado da brincadeira. Ou, se fosse o caso da irmã levar o namorado, o feijão seria dela, claro. A princesa colocaria então a coroa na cabeça do consorte, momento que valia também a cara de decepção do pai, o presunçoso rei do pedaço. O irmão mais velho achava graça, enquanto raspava o recheio e deixava as casquinhas de lado.

À namorada, o rapaz teve que avisar: fazia parte do pacote pagar micos como aquele e o convite era quase uma intimação. Escolhida rainha, ela acabou gostando da ideia, tanto que se casou com o tal, um nobre franco-tupiniquim de meia tigela.

Neste 6 de janeiro, em sua própria casa, atrás de uma sobremesa, ele encontra meia romã sobre a pia da cozinha e sente falta da avó sentada à cabeceira dirigindo a cerimônia. Lembra-se do irmão mais novo, temporão, e dela tentando equilibrar a coroa entre bochechas para uma foto. E também da estreia da filha, que girava os olhos sem quase mexer a cabeça, tentando entender os motivos daqueles singelos sorrisos a sua volta, os mesmos que ela vê agora refletidos no rosto do pai enquanto aguarda impaciente o doce que pediu.

Um comentário:

  1. Trouxe da França a coroa e o hábito de comemorar o Dia de Reis. Morava perto da Colombo e a galette vinha c/uma prenda unissex. A Colombo fechou, na Barão de Ipanema e eu fazia um bolo e colocava algo dentro, dando direito à prenda. Assim faço até hoje.Sei que no Traiteurs de France, na Brasserie Rosário tem galette, mas não me disponho a ir até lá. Comemoro c/crianças e adultos. Vc continua a comemorar c/a Alice? Este ano, comprei coroas e cetros de princesas p/Maya e Nayara, as princesinhas da família.Neize

    ResponderExcluir