quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Feitiço da Ilha

A lembrança do filme do pavão me veio na sexta-feira, enquanto esperávamos a balsa, depois de revezarmos ao volante durante tempo equivalente aos oito CDs que separamos pouco antes de sair de casa. Estávamos ali com Alice para uma rara reunião de família e um casamento na praia. Resultado do cansaço das horas de estrada e do tédio pela espera na fila, o jogo de associações inusitadas aconteceu assim mesmo: a ilha, o pavão, as drag queens, um filme, outro e histórias de amor.

A ilha nada tinha com João Ubaldo, até porque não havia feitiço por ali. Mas a Ilhabela, que era o nosso destino, me trouxe a tal lembrança: Alice pedindo para assistir ao filme do pavão. Naquele dia, em casa, gargalhei porque logo concluí que ela falava de Priscilla, a rainha do deserto. E o pavão só podia ser uma das drag queens.

Ela viu o filme pela primeira vez num dia de surto, daqueles que a mãe não sabe mais o que inventar para distrair a criança e ter um pouco de paz. A novidade funcionou: a menina vidrou os olhos na tela e sossegou. Depois, passou a cantar e repetir Mamma Mia vezes sem fim. Porém, eu tinha me esquecido que Alice costumava se referir à história de outra forma – simplesmente o filme dos meninos que se vestem de meninas. Tão óbvio quanto mais misterioso começou a me parecer o pavão. Ela se esforçou para caprichar na explicação: o filme tinha um menino, que gostava de uma menina, que virava... um falcão chamado Michelle Pfeiffer! Como se fosse um jogo de mímica, enfim matamos a charada: ela queria ver o Feitiço de Áquila.

Dentro do carro, com o ar desligado e as janelas abertas, consegui esboçar um sorriso ao completar o ciclo das associações inusitadas. A história de Isabeau e Etienne me trouxe de volta aos motivos da viagem, a fila andou e a balsa nos levou para a ilha.

Ali, no dia seguinte, os noivos contaram a sua própria história de amor. Escolheram uma celebração casual, com os pés na areia. Na praia, curiosos que estavam ali de bobeira, curtindo o sábado de sol, e alguns convidados que vinham de bem longe (de distâncias muito maiores que os nossos oito CDs) se juntaram para assistir à cerimônia. Sobrinhas e primas abriram o caminho para noivos: Alice era uma das flower girls e estava vestida a caráter, com flores brancas no cabelo, rosas e vermelhas na roupa. Pouco antes do pôr-do-sol, o irmão do noivo celebrou o casamento; a tia discursou para noiva; e Nane discursou para o primo (mesmo emocionada, ela não deixou de revelar os podres; mas ninguém se lembra disso, nem o noivo). A festa continuou no restaurante à beira-mar e só foi interrompida pelo sono das crianças.

No domingo, de novo na fila para barca, para passar o tempo, escrevi mentalmente frases aleatórias que me deram um rascunho de crônica. Tocava então o primeiro dos CDs...

Família ê! Família ah! Família!

E se nunca perdemos essa mania, os noivos vão concordar, não é por motivo de feitiço.

Enfeitiçado estou eu, enquanto escrevo.

Um comentário:

  1. Grande Rodolpho,

    você sempre surprendendo! Para uma pessoa tão intelectual como você, já era de se esperar essas contribuições sob forma de ideias e reflexões.

    Cordialmente,

    Do amigo Fernando.

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