A lembrança do filme do pavão me veio na sexta-feira, enquanto esperávamos a balsa, depois de revezarmos ao volante durante tempo equivalente aos oito CDs que separamos pouco antes de sair de casa. Estávamos ali com Alice para uma rara reunião de família e um casamento na praia. Resultado do cansaço das horas de estrada e do tédio pela espera na fila, o jogo de associações inusitadas aconteceu assim mesmo: a ilha, o pavão, as drag queens, um filme, outro e histórias de amor.
A ilha nada tinha com João Ubaldo, até porque não havia feitiço por ali. Mas a Ilhabela, que era o nosso destino, me trouxe a tal lembrança: Alice pedindo para assistir ao filme do pavão. Naquele dia, em casa, gargalhei porque logo concluí que ela falava de Priscilla, a rainha do deserto. E o pavão só podia ser uma das drag queens.
Ela viu o filme pela primeira vez num dia de surto, daqueles que a mãe não sabe mais o que inventar para distrair a criança e ter um pouco de paz. A novidade funcionou: a menina vidrou os olhos na tela e sossegou. Depois, passou a cantar e repetir Mamma Mia vezes sem fim. Porém, eu tinha me esquecido que Alice costumava se referir à história de outra forma – simplesmente o filme dos meninos que se vestem de meninas. Tão óbvio quanto mais misterioso começou a me parecer o pavão. Ela se esforçou para caprichar na explicação: o filme tinha um menino, que gostava de uma menina, que virava... um falcão chamado Michelle Pfeiffer! Como se fosse um jogo de mímica, enfim matamos a charada: ela queria ver o Feitiço de Áquila.
Dentro do carro, com o ar desligado e as janelas abertas, consegui esboçar um sorriso ao completar o ciclo das associações inusitadas. A história de Isabeau e Etienne me trouxe de volta aos motivos da viagem, a fila andou e a balsa nos levou para a ilha.
Ali, no dia seguinte, os noivos contaram a sua própria história de amor. Escolheram uma celebração casual, com os pés na areia. Na praia, curiosos que estavam ali de bobeira, curtindo o sábado de sol, e alguns convidados que vinham de bem longe (de distâncias muito maiores que os nossos oito CDs) se juntaram para assistir à cerimônia. Sobrinhas e primas abriram o caminho para noivos: Alice era uma das flower girls e estava vestida a caráter, com flores brancas no cabelo, rosas e vermelhas na roupa. Pouco antes do pôr-do-sol, o irmão do noivo celebrou o casamento; a tia discursou para noiva; e Nane discursou para o primo (mesmo emocionada, ela não deixou de revelar os podres; mas ninguém se lembra disso, nem o noivo). A festa continuou no restaurante à beira-mar e só foi interrompida pelo sono das crianças.
No domingo, de novo na fila para barca, para passar o tempo, escrevi mentalmente frases aleatórias que me deram um rascunho de crônica. Tocava então o primeiro dos CDs...
Família ê! Família ah! Família!
E se nunca perdemos essa mania, os noivos vão concordar, não é por motivo de feitiço.
Enfeitiçado estou eu, enquanto escrevo.
Grande Rodolpho,
ResponderExcluirvocê sempre surprendendo! Para uma pessoa tão intelectual como você, já era de se esperar essas contribuições sob forma de ideias e reflexões.
Cordialmente,
Do amigo Fernando.