segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Fugaz

Voltei a frequentar o Maracanã naquele ano difícil, 2008. A oportunidade de ver o meu time disputar a Libertadores foi a frágil válvula de escape que encontrei. Desde o primeiro jogo, aqueles 6 a 0 perfeitos no Arsenal argentino, eu me entreguei à religião do futebol nos fins de noite das quartas tricolores, naquele absurdo horário da televisão. Mas partidas perfeitas como aquela não funcionam em texto porque se bastam em tela. Devem ser vistas, de preferência, sem o narrador ou torcida. Para mim, o gol de Dodô no segundo tempo, por exemplo, merece ser objeto de exposição e pintado quadro a quadro. Por isso e para cumprir uma promessa antiga a uma amiga, deixo esse jogo de lado e fico entre dois épicos e uma tragédia – todos terminados com o mesmo placar: a vitória do Fluminense por 3 a 1.

Escolho o primeiro dos épicos.

Cheguei cedo ao Maracanã com meu pai e logo nos separamos para nos misturarmos. Cada um procurou seu canto para assistir ao embate dos tricolores, carioca e paulista. Eu me dirigi para o lado esquerdo das cabines de rádio, no alto das cadeiras especiais, perto da lanchonete. Ele ficou perto dos elevadores, também lá em cima. Para lidar com o nervosismo e o vento frio que ronda o estádio, é um hábito comum ficarmos de pé.

Os outros torcedores preenchiam aos poucos os espaços vazios, trazendo as cores que jamais empalidecem, abusando da criatividade nos gritos de guerra e nos jogos de luzes. No embalo de uma só voz, já com o estádio lotado, o show começou e o time logo correspondeu: antes dos 15 minutos, Washington, chamado de Coração Valente, abriu o marcador. Faltava muito tempo e mais um gol para nos dar a diferença de que precisávamos para chegarmos à semifinal do torneio. A arquibancada não perdeu o ritmo da empolgação; mas o time, com o passar do tempo, sim.

O segundo tempo começou mais tenso, com o adversário mais presente, interrompendo a cantoria da torcida em alguns momentos. O empate veio aos 25 minutos, junto com um silêncio quase definitivo. No entanto, não houve tempo para abatimento: nosso anti-herói argentino, Conca, encontrou Dodô no minuto seguinte. Ele marcou e, no meio da euforia dos que estavam em volta, corri para encontrar meu pai. Descabelado, ele não estava comemorando. Estava aliviado: ainda bem, ainda bem, suspirava enquanto nos abraçávamos. Sabia que assim a esperança não seria abalada. Retornamos aos nossos cantos para viver intensamente os minutos que restavam. As minhas emoções voltaram então a se apoiar no guarda-corpo que insistia em marcar meus braços.

A ansiedade nos dominava. A torcida empurrava o time e tentava fazer parar o tempo. A bola rondava a área do São Paulo, ricocheteava na defesa deles, teimava em fazer a nossa vontade. No entanto, ninguém arredava o pé porque, em momentos como aquele, dentro de nossas mentes insanas, a certeza se confunde com a esperança. No fim, ou as duas acabam juntas ou a primeira engole a segunda. E aconteceu assim: na última chance, num escanteio aos 46 minutos, dos pés de Thiago Neves para a cabeça de Washington, uma catarse jamais vista. Meia hora passada e ninguém ousava arredar o pé, tamanha a vontade de que aquilo durasse para sempre. Quando reencontrei os olhos do meu pai, vi apenas as lágrimas da felicidade fugaz, a mesma que levei para o travesseiro e não me deixou dormir naquela madrugada.

5 comentários:

  1. Lindo, como sempre! Posta no Facebook pra divulgar, eu faço isso sempre. Beijos.
    Ana Letícia

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  2. Muito bom!!! Fez com que eu me reportasse àquele dia, revivendo as mesmas emoções e sensações daquele jogasso!! SDT

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  3. Confesso... não consegui exercitar o que te prometi. :(

    Tive que ler tentando sentir a emoção que você sentiu, trocar o Flu pelo Fla foi impossível, essa história é sua. O ponto mais próximo foi quando li o nome do Thiago Neves, que me permitiu imaginar algum momento assim.

    Mas a sensação final eu me permiti ter!

    Bonita lembrança! :)

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  4. Rodolpho, muito bom ler e lembrar desse jogo. Eu estava numa festa de formatura escutando o jogo pelo radio numa varanda em pleno monte Líbano. Gritei tanto que fiquei rouco. Acredito que até o Cristo redentor ouviu!!!

    Excelente!!!


    Rodrigo Martins

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  5. Rudolpho,

    Obrigada! Promessa cumprida!rsrs

    Como eu já imaginava, mais uma vez você conseguiu transformar emoções em palavras! Parabéns!

    Nessa noite épica, estávamos no Maracanã eu, minha irmã e meu pai, além claro, de todos os outros tricolores do céu e da terra!rsrs

    Meu pai e eu assistimos juntos ao jogo enquanto minha irmã acabou ficando sozinha, pois não conseguiu nos encontrar.

    Foi uma noite realmente inesquecível! Emocionante até o último minuto! De puro êxtase!

    A euforia que nos dominou após o gol do Washington, aos 47 min do segundo tempo, e a vitória conquistada perdurou por mais de 48 horas, eu me lembro bem.

    Hoje, o seu texto me fez revivê-la de forma inacreditável.

    Muito Obrigada!
    Bjs e Sds Tricolores!!!

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