terça-feira, 4 de outubro de 2011

Sobre Letras e Lágrimas

Um texto de conteúdo autobiográfico, pequeno que seja o texto ou conteúdo, inevitavelmente leva o escritor às lágrimas. No mais solitário dos momentos, quando ele escreve, ninguém ouve o choro, e somente o papel é capaz de perceber o que se passa quando as emoções em estado líquido mancham as letras. A prova se torna ainda menos perceptível se a testemunha for o teclado: as gotas secam por baixo das letras. Entretanto, a tecnologia oferece uma alternativa à curiosidade, que pode ser utilizada com objetivos tanto científicos quanto literários: a filmagem das reações dos músculos do rosto com a câmera do laptop. É uma experiência que tem seus riscos: se o computador ficar no saguão do aeroporto, o autor pode acabar pelado na mídia, como a Scarlett Johanson. Seria diferente – melhor, dependendo do ponto de vista – se fosse com ela, caso que resultaria em conto erótico, perseguição dos paparazzi, ou ambos.

Voltando ao assunto principal, das lágrimas, e ainda dentro do contexto da exposição extrema, o escritor pode receber um convite para ler suas lembranças em voz alta. Nesta hipótese, a dificuldade é convencê-lo a aceitar. Se concordar e optar por um distanciamento do texto, a leitura tende a se tornar desinteressante para os ouvintes. No entanto, se o ambiente ajudar o escritor a se desfazer das amarras do autocontrole, ela vai emocionar, quanto mais trôpega e interrompida por suspiros for. A cena da voz do autor que mistura as lágrimas às suas próprias letras é especial, sem qualquer risco de ser associada ao ridículo. O momento tem tudo para ser libertador e, assim, agradecido ficará também aquele que escreve.

Meus olhos marejam no ônibus, a caminho do trabalho. Sentado no banco preferido (sobre a roda), eu me inspiro, escrevo parágrafos inteiros em pensamento, reescrevo frases já publicadas. Ali, o meu controlado mecanismo de defesa deixa as lágrimas represadas nos olhos, esperando o sentimento passar, a hora de descer do ônibus para reencontrar a realidade. Não deixo, porém, os fios se perderem: antes que o dia comece de fato à mesa do escritório, em arquivos com nome de rascunho (palavra que é sempre acompanhada por números escolhidos aleatoriamente), eu registro o pouco que o tempo permite e aguardo a noite chegar, minha filha dormir, para retomar os atalhos de onde parei. Ainda no trajeto inevitável da manhã, a música que me acompanha nas viagens imaginárias também revela memórias, detona um turbilhão de palavras, e me faz também descobrir personagens que estão à volta, sentados olhando para a janela ou em pé vendendo amendoim. No fim das contas, apenas o som que toca em meus ouvidos é capaz de abrir as comportas que contêm meu choro, fazendo meus lábios repetirem em silêncio: let it be, let it be, whisper words of wisdom, LET IT BE.

2 comentários:

  1. Olá, desculpe incomodar, mas já incomodando: Queria te convidar para participar do mais novo projeto voltado a blogueiros que tem o intuito de divulgar o talento de alguns blogueiros e blogueiras, com edições semanais em que daremos um tema e você enviaria seu texto ou fotografia para a nossa comunidade ou blog. Se se interessar, conheça o projeto por meio do blog e pela comunidade do orkut: http://trecosdobau.blogspot.com/ Adoraríamos ver a sua participação em alguma edição. Agradeço pela atenção e novamente desculpe-me, por te incomodar.

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