Em priscas eras, os motores roncavam: qual é a boa de hoje?
O Escort vermelho tinha teto solar. Fazia o tipo romântico, gostava de um barzinho, um banquinho e um violão. Podia demorar até duas horas entre sair de casa e chegar ao destino escolhido. Sem limitações mecânicas ou defeitos de qualquer tipo, a demora era explicada pela distância percorrida: ele tinha o estranho hábito de esquentar os motores na Ponte Rio-Niterói. Às vezes, ficávamos todos por lá. Quase sempre acabávamos a noite num posto da Gávea para abastecer. Ele, vestido em três cores, cantando o hino do Fluminense.
A tenda árabe era o segredo do sucesso do velho Santana: o forro rasgado do teto tornava seu charme irresistível. As opções de música ambiente eram infinitas: as fitas cassete se escondiam por baixo dos bancos e até no porta-malas, junto com livros do curso de Direito, uma bola de futebol murcha para a pelada de sábado em Ilha de Guaratiba e outras desarrumações. Era o líder, nosso rei, o mais animado da turma. Dava festas memoráveis no seu cafofo de nome francês. E ele não precisava tomar chope para duvidarem de seu senso de direção.
Velho mesmo era o Belina. Vinho tinto e cabeludo, usava aneis nas quatro rodas e curtia um rock pesado. Muito educado, sempre pedia licença para colocar Pantera nos alto-falantes. Trafegava sempre na mais perfeita paz, dizem, a não mais que 30 km/h. Preferia os porões, as vagas menos óbvias perto das boates fora de moda; mas não trocava nada por um sossegado bate-papo. Hoje, seus pneus estão carecas.
Eu era um Gol azul metálico da primeira geração. O meu som era aquele que tocava no rádio: pura preguiça de gravar uma fita. Minha prioridade era o roteiro diário que unia Copacabana ao Fundão. Às vezes, revezava com um Fusca mostarda, que partia das Laranjeiras e era companhia frequente nos estacionamentos da faculdade e dos cinemas. Ele fazia tanto sucesso na ilha que virou time de futebol.
Em tempos modernos, eu seria ainda mais requisitado no turno da noite – a boa seria terminá-la sóbrio, sem risco de ser apreendido na blitz da lei seca. E nosso roteiro daria inveja ao Relâmpago McQueen.
Adorei! Essas fabulosas máquinas voadoras fizeram mais do que qualquer comercial da WBrasil conseguiria idealizar. ST
ResponderExcluirEsses tempos devem ter sido bons, né? Faculdade é sempre uma época mágica... Texto maravilhoso, como sempre, amigo!
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