segunda-feira, 18 de julho de 2011

Amargos, Doces e Maduros

Cheguei às 18h30, ela ainda estava na aula de dança. Aguardei do lado de fora, com o ombro apoiado no muro, pensando em nada, apenas respirando o meu próprio cansaço. A recepção foi mal-humorada, de cara emburrada, com um você interrogativo e decepcionado. Ela esperava a avó, queria a mãe, queria pipoca. Dei um ombro para cada mochila: a dela pesava mais que minha. Pediu para esperar a amiga, que não vinha, demorava. O nervosismo passou dos olhos às mãos quando eu disse que tínhamos que ir e os dedinhos apertaram meu braço. A minha irritação superou o nervosismo dela, falei grosso e ela começou a chorar. Estava instaurada a crise, da forma mais desagradável – na rua, na frente da escola, ao lado do pipoqueiro. Não cedi, nem à pipoca, e os dedinhos se fecharam. Os socos encontraram os meus braços e as mochilas caídas. Contei até dez, tirei a televisão por duas noites e puxando-a pelo braço dei a ordem final. Ela resistiu, fincou os pés no chão. Eu parti sem olhar para trás, com um tchau seco. Ela chorou ainda mais alto e desistiu de ficar. Passou a me seguir, balbuciando papai cem vezes e deixando lágrimas pelo caminho. Encontrou a minha mão, que já esperava a dela. Não a deixei falar. Despejei minha insatisfação: eu não posso buscar você todos os dias; quando eu venho, eu fico muito feliz, porque vou encontrar minha filha, porque vou ganhar um beijo dela; e você me recebe assim, com raiva, fazendo escândalo, chorando.

Por que você faz isso? Não sei falar disso, pai. Percorremos o resto de caminho em silêncio.

Cheguei às 18h30, ela já tinha saído da aula de dança. Carregava a mochila pesada sorrindo. Largou-a no caminho para fazer um V com os dedos, na direção dos olhos dela e depois dos meus, sem deixar de mostrar os dentes que tem e os que não tem mais. Beijou-me com um abraço do tamanho do mundo e a mochila esquecida chegou pelas mãos de outra menina. Andamos de mãos dadas o tempo todo. Ela procurava desviar das tampas dos bueiros aos saltos e pedia que eu a imitasse. Foi cantando pelo caminho em inglês embromado até passarmos pela sorveteria, quando observou o quanto estava boazinha naquele dia. Completou a frase pedindo confirmação, com olhinhos pidões. Ela mereceu o sorvete e cantou o abecedário no resto de caminho. Abri a porta de casa para ela dizer o quanto amava a mãe e também a Rapunzel. Deitou de bruços no sofá, com o rosto virado para o lado da televisão. Ficou assim, quietinha, hipnotizada. Antes da hora, que ela já reconhece quando o ponteiro maior chega ao número 6 depois das oito da noite, ela admitiu a derrota para o cansaço. Aquela foi uma das raras vezes em que pediu para dormir.

Você está cansada, filha? Tô muito cansada, pai. É porque estou fazendo trabalhinhos muito difíceis na escola. Eu sei, são as letrinhas que começam a se juntar.

5 comentários:

  1. Cara, onde está o aviso no blog dizendo: O Ministério da Saúde adverte: "Cenas não recomendadas para aqueles que resistem a ideia de ser pai antes dos 30"?

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  2. Incrível as diversas personalidades desses seres, nossos filhos! rs

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