quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Memórias de Pai e Filha

Uma vez por semana, após certa embromação para escolher o maiô e os chinelos, saíamos de mãos dadas, a minha cobrindo a sua. Duas mochilas nas costas, eu dava a direção; fazíamos o caminho da mamãe: Real Grandeza abaixo, Caravelas à direita. E logo atravessávamos para o outro lado, onde a passagem era obrigatória entre o muro e a árvore de raízes robustas que levantavam a calçada. Travessia a que dávamos o nome de aventura. Pouco papo, alguma cantoria, prosseguíamos. Algumas casas adiante, o amigo nos aguardava sem latido ou festa. Apenas se aproximava da grade e observava. Nós também. À esquerda, o Conde nos acompanhava até a piscina, na rua do Pinheiro, onde os golfinhos nadavam.

Sentados em cadeiras de plástico, assistíamos a tudo – eu, as babás e, ao menos, uma mãe de fato. Você sempre sorria dentro d’água. Eram trinta minutos; ou menos, já que a embromação e a aventura eram feitas para durar. O atraso, portanto, quase inevitável. A aula, por sua vez, era apenas um exercício saudável, porém efêmero e repetitivo: dedão na borda para mergulhar, música da baleia para cantar, até que a peixinha saísse para eu secar. A roupa da capoeira substituía a de banho e o cabelo, de embaraçar... Tarefas difíceis, com alguma pirraça.

Dali para a escola. Antes, na mercearia, você matava a fome com uma barrinha de cereal. O passo era da eternidade. A casa do papai do céu era chance para um descanso, o prédio da melhor amiga era motivo de conversa. As perninhas cansadas pediam colinho e eu resistia. Então corria, dizendo: minha princesinha; você respondia rindo: meu princesão. O teatro passava e, mais uma vez, o Conde nos deixava. Ali, logo em frente, recordações da minha infância se revelavam. Eu me distraía, lembrava-me de uma festa, de outra, de gel no cabelo, de Legião. A poucos metros do seu destino, de novo, você pedia. Eu cedia. No colo, você se distraía. Eu ganhava um beijo. Você, tantos quantos eu conseguisse dar. O muro rosa nos separava.

O tempo, por fim, acelerava.

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