quinta-feira, 26 de novembro de 2015

More Love

Eram 2 horas da tarde, o bar estava vazio e a pousada, sem energia.

– Estamos abertos, só não dá para fazer os sucos.

Fomos recebidos pelo próprio dono, um sujeito alto e magro, de movimentos contidos e expressão séria, como a maioria dos ruandeses que conhecemos naqueles dias.

– Gostei desse quadro com as notas – comentou o meu companheiro de viagem, apontando para a parede.

– Vocês são de onde? – perguntou o anfitrião.

– Brasil. E acho que tenho algo para você.

Quando a nota de 5 reais saiu da carteira, o ruandês abriu um sorriso e ofereceu a mão para um cumprimento efusivo.

– Você é meu camarada. Acredita em Deus? Se você não se importar, então, escreve aqui – apontou – no canto da nota: “God bless, more love”.

Enquanto ele grampeava o presente no quadro de palha, escolhemos a maior mesa do pequeno restaurante e notamos a pintura de Malcom X na parede verde.

– Estou surpreso que tenham reconhecido. Morei quase vinte anos nos Estados Unidos, a maior parte deles em Nova York, no Harlem. Os americanos são muito racistas, mas lá eu me sentia em casa. É diferente do Brasil, não é? Lá vocês têm uma paleta de cores. Tem racismo, mas vocês se misturam mais. – Desviou o olhar, antes de concluir – Eu queria ter filhos no Brasil, sabe?

Depois que fizemos o nosso pedido, e ele nos serviu com a melhor cerveja local, chegou um queniano muito simpático e falante. O papo chegou ao racismo estrutural e à falta de oportunidade dos negros no Brasil. A conversa seguiu pela nossa atual situação política, e eles vieram com Fidel e Mujica. Passamos então ao assunto que nos havia levado até Ruanda, o desenvolvimento do país na área energética. O dono da pousada se interessou pelo custo de implantação de painéis solares e ficou fazendo contas até voltarmos ao tema anterior:

– Todos com quem conversamos parecem gostar muito do presidente – comentou o meu amigo de forma casual.

– Ele é uma pessoa muito séria, que tem feito muito pelo país. Nem tudo é perfeito, claro, mas hoje, em Ruanda, não há corrupção nem violência.

– É por isso que estou aqui e não em Nairóbi – interrompeu o queniano.

– Sabemos que faltam apenas 2 anos para o fim do segundo mandato dele. Ouvimos dizer que a Constituição será alterada para que ele fique por mais 7 anos. O que vocês pensam sobre isso?

– Se está dando certo assim e a maioria quer que ele continue, o resto não importa. – afirmou o ruandês, com a aprovação do amigo.

– Em todo caso, ele está preparando um sucessor? – perguntei.

– Se está, ainda não sabemos; mas é uma questão importante.

Quando o almoço foi servido – um ensopado típico, muito bem temperado, com carne de bode, legumes e banana, o dono do restaurante se retirou por um tempo e o queniano continuou falando sobre a África, sobre governos que funcionam de forma semelhante ao de Ruanda (como em Botswana), sobre países que estão crescendo muito (a Etiópia), outros que permanecem perdidos no caos de corrupção e violência (Nigéria e Quênia) e a República Democrática do Congo, abençoada pela natureza e cheia de problemas. Citou ainda as questões sociais na África do Sul, onde os imigrantes africanos são tratados como escória, sobretudo os moçambicanos e os que chegam do Zimbábue.

– É o preconceito entre africanos. A gente chama de afrofobia – explicou o ruandês, voltando a participar da conversa.

Depois que terminamos de comer e a luz voltou, resolvi experimentar uma das tantas opções de suco da casa, com cenoura, maçã, gengibre e limão. Antes de partir, tiramos fotos com o nosso anfitrião, que nos deu cartões do restaurante, sugeriu que procurássemos por ele no Facebook e que ficássemos na pousada quando voltássemos a Kigali.

Além do café, das macadâmias e dos temperos, que comprei no supermercado, onde kits solares eram produto comum nas prateleiras, levamos o melhor de Ruanda numa tarde conversa. De tudo o que ouvimos, fiquei com uma imagem na cabeça: uma cama para cada criança e a privacidade de que precisam para sonhar.

Um comentário:

  1. Muito interessante esse encontro com um habitante local. Costumam ser bastante ilustrativas.



    ResponderExcluir