quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Jesus e Tito

Prometi a mim mesmo que não compraria livros durante a viagem que fizemos à California em 2011. O Kindle tinha sido encomendado pela Internet junto com outros dois antigos objetos de desejo. Todos foram entregues na casa de primos, onde ficamos hospedados, ao norte de San Francisco. Parecia suficiente. Contudo, não entrar em livrarias para resistir à promessa foi um grande equívoco: na última semana, quando encontramos uma loja da Borders em liquidação perto de Anaheim, a abstinência literária já era insuportável. Ali, não houve jeito, a oportunidade devorou a promessa. Saímos da loja com seis novas companhias, incluindo McEwan e Oates, e alguma preocupação a mais com o peso das malas.

É sempre assim: se o país fala uma das línguas que consigo ler, tenho que arrumar tempo para as livrarias e guardar espaço para os livros. Aliás, já que, de maneira geral, falo muito pouco, é graças aos livros que não esqueço os idiomas que aprendi.

Em outra ocasião, na primeira visita que fiz a Paris, as prioridades eram outras, mas incapazes de excluir as livrarias da programação. Na tarde que deixamos para as compras, passeando pelos Champs Elisées, resolvemos escolher uma livraria para descansar os pés. Perdi algum tempo nas mesas e prateleiras porque não tinha pensado antes em algum autor especial. Procurando a esmo, sem me dar ao trabalho de pedir alguma referência, meus olhos escolheram um título, Jésus et Tito, de um livro escrito por um bósnio radicado na França chamado Velibor Colic. O nome do meu pai, Tito, serviu como chamariz, e o texto da quarta capa me deu motivo para comprá-lo: quando criança, antes de sonhar em ser poeta, Velibor queria ser jogador de futebol, de preferência, negro e brasileiro.

Tempos depois, quando enfim coloquei o livro na minha cabeceira, acabei descobrindo uma leitura das mais prazerosas. Em capítulos curtos, o livro traz um painel de memórias da infância e da adolescência do autor, onde os dois personagens do título estão diretamente identificados com seus pais. Jesus representa a religião da família de sua mãe; e Tito, o Marechal iugoslavo, as convicções de seu pai.

Neste caso, ou acaso, meu instinto foi certeiro. Ele encontrou no título daquele livro referências da minha avó: no idioma, na crença e no filho.

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