domingo, 6 de janeiro de 2013

No Cemitério

A Aventura morreu. Acho que foi a maior perda que tivemos no ano que passou. Era uma árvore que ficava na Rua Visconde de Caravelas em Botafogo. Uma daquelas cujas raízes levantam a calçada e quase não deixam espaço para os pedestres. Foi a primeira aventura de Alice. Ela adorava passar por ali com seus pezinhos pequenos para desfrutar da sensação de desafio. Passávamos ali nos dias de natação, antes da escola. Já faz algum tempo, mas eu não me esqueço, e ela também não. Por isso, foi triste. E para afastar essa tristeza, procuramos juntos por outras aventuras, aproveitando as minhas férias obrigatórias de fim de ano e a necessidade da Nane de adiantar suas traduções.

A primeira delas aconteceu na sexta-feira depois do Natal. Acordamos e ligamos para o meu pai. A ideia era sequestrá-lo por algumas horas, tirá-lo da prisão domiciliar que ele mesmo se impõe para não deixar a Mami, minha avó, muito sozinha. Minha mãe acabou assumindo o plantão da manhã e nós marcamos o encontro na Estação Cardeal Arcoverde, em Copacabana, de onde pegamos o metrô para a Cinelândia. O destino era a nova Livraria Cultura que agora ocupa o prédio do antigo Cine Vitória. Logo que chegamos, a pequena Alice reconheceu Shakespeare na estante graças a um livro que ganhou no aniversário. Ali meu pai provavelmente se lembrou dos tempos que frequentava o cinema, mas não falou muito sobre isso.

Ficamos tempo bastante para sentirmos fome. Eu preferia comer na rua para estender o passeio. Meu pai, por sua vez, estava preocupado com a hora – tinha que render minha mãe, que cuidava da Mami e tinha um compromisso no início da tarde. Alice resolveu o problema: estava com saudades da comida da vovó. Voltamos assim para Copacabana.

Depois do almoço acompanhamos minha mãe até a Siqueira Campos, onde tinha um encontro com uma amiga. Aproveitei para passar no Posto de Saúde e tomar a vacina da febre amarela que estava vencida. A espera foi curta, mas suficiente para Alice ficar entediada, não se impressionar com a espetada que levei e dizer que queria voltar para casa. No entanto, eu queria aproveitar todo o tempo que tínhamos à disposição. Resolvi, por isso, cumprir uma promessa antiga: uma visita ao cemitério São João Batista, que ela topou sem hesitar.

Eu já tinha perguntado à minha mãe qual das sepulturas da família seria a mais fácil de encontrar. Era a do meu avô: cerca de trinta passos além da entrada principal do cemitério, viramos à direita para encontrar o túmulo ao lado de uma escadinha de três degraus. Fazia um calor insuportável, mas Alice não parecia ligar. Conseguiu ler os dois primeiros nomes da assinatura de bronze que fica sobre a tampa do túmulo: Luiz Rodolpho, como eu. Mostrei que logo abaixo estava escrito engenheiro civil, também como eu. Em seguida, vinham as datas de nascimento (1877) e morte (1973, um ano antes de eu nascer). E Alice me fez um carinho quando expliquei que não tinha conhecido o meu avô.

Era então a vez dela querer mais. Passeou entre os túmulos, espiou mausoléus, perguntou sobre algumas estátuas, quis saber quem mais estava por lá – desta vez Alice se limitou à família e não perguntou do Michael Jackson. Àquela altura eu já não aguentava de tanto calor, sentia a pressão baixando, precisava sair dali. Antes, porém, ela me fez prometer que voltaria com a vovó para visitar a outra bisa. Só em seguida aceitou meu convite para terminarmos aquela aventura no supermercado em frente ao cemitério (para tomar um mate e tirar uma leve casquinha do ar condicionado).

3 comentários:

  1. Caro Rodolpho,
    Adorei a sua descrição da curiosidade e do pique da Alice. Até mesmo no cemitério, com o calor do verão carioca...
    Gostei também do não-dito sobre o velho cine Vitória.
    Resumindo, gostei.
    Não tenho coragem de fazer análise técnica, isso é com a Carola.
    Um abraço,
    Paulo Boaventura.

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  2. Também gostava daquela árvore. Que ela descanse em paz. Mas num lugar mais fresquinho que o cemitério.
    Abs.

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  3. Algo que morre (árvore), visita ao cemitério, compensados pela Livraria Cultura (algo que nasce e que é bem-vindo. Vou visitá-la na próxima semana. Neize

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