quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Intervalos de Verão

Toda serelepe, ela volta do quarto com a caneta e o caderninho. Quer ver o desenho que passa na tela. Deixa o caderno de lado, aberto, o nome dela escrito umas tantas vezes em meio aos rabiscos, inclusive tentativas corajosas com letra cursiva. Perde logo interesse pela TV e quer folhas de papel. Desenha. Com a tesoura, recorta, faz buraquinhos para os olhos e a boca. Depois pede aquela fita. O barbante? A mamãe dá os nós e o papai ganha a máscara. Faz muito calor e ela está só de calcinha. Sua tanto pelo bigodinho que pede para ligar o ar. Pai e mãe comemoram junto com ela. As portas vão se fechando e o friozinho vai tomando conta do ambiente. O verão é enquadrado pelo vidro da porta que dá para a varanda. Ela põe uma roupa, senta no sofá para ver um filme e papai vai para cozinha fazer o almoço. Lá não tem moleza, é quente e continua esquentando. Mamãe também não tem descanso: coloca as roupas no varal. O pai volta com os pratos feitos: peito de frango cortadinho, preparado com limão siciliano, e macarrão de arroz. A mãe desliga a televisão porque não é hora. Vejam só, quanta surpresa: a menina reclama; mas aceita a proposta do pai: música, que ela escolhe pela capa, em tons de rosa, e pelo som. O barulho das Chicas toca enquanto se come. O franguinho fica meio de lado, o macarrão some do prato e a pequena quer a licença. Fica mais um pouco, com o rosto virado para trás, desafiando. Vence quando a sobremesa vai ao sofá para ser dividida. É manga cortada em cubos, devorada em segundos. Barriga cheia, frio bom demais, e a borralheira quer ser princesa. A mãe traz o vestido de gala da Cinderela, faltando apenas o sapatinho de cristal. Descalça, ela dança a faixa que toca. São movimentos suaves para um rap. A saia gira e ela pede bis, mais uma e outra vez. Depois que entende de quem é o rap, ela passa a pedir pela música do amigo da creche, que é Silva também. Mas continua achando que o pai de família é porteiro, e não funkeiro. Quando as músicas acabam, ela desliga o som. Na tela, felizmente, não há nada melhor que a tesoura e os papéis, que se transformam desta vez em pezinhos com unhas pintadas de vermelho. Depois, mais barbante para amarrá-los sobre os pés verdadeiros. Do lado de fora, o céu azul é irresistível, até que as portas se abrem. O bafo implacável do verão coloca o vestido no cabide e expulsa os três de casa. Hora de sair, ver os amigos no fim de tarde. O trajeto é curto. A Lagoa é linda, e o ar do carro a deixa ainda mais linda. No banco de trás, com o caderninho no colo, ela registra tudo em letras sem fim – são palavras em forma de mola. Ela escreve o que ouviu dizer: domingo é dia de juntar as crianças, expor pequenas obras de arte, lambuzar-se de batom e lanchar com o dindão.

Um comentário:

  1. Que doçura Rodolpho ! adorei :)
    vou traduzir para o Klaus para ele babar na little brazilian princess como ele chama a Alice
    :-)
    bjins

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