quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

A Arca

Faz tempo que não conversamos, meu amigo. A última vez em que nos vimos e nos abraçamos foi na missa de sétimo dia da minha avó. Nossa última troca de mensagens pelo Orkut ocorreu graças às estripulias de um goleiro, que sofreu um pênalti nos minutos finais de uma partida. Lembro-me melhor, no entanto, daquela noite de vitória e derrota no Maracanã lotado. Você usava uma camisa branca, de mangas cumpridas até o punho. O estádio se vestia das três cores de que mais gostamos. As luzes que desenhavam o nome de nosso time davam a volta na arquibancada e nossos olhos acompanhavam as letras como uma ola desenhada por eles. Noite aquela de êxtase e decepção.

Hoje estou em casa, escondendo o nervosismo por trás dessas linhas. Se não temos mais o Maracanã, a coisa acontece no Engenhão e o craque é aquele que você fazia questão de exaltar: protegendo a bola como poucos, fazendo a bola rolar. Ele conquistou a torcida com silêncio e trabalho. É uma espécie de anti-herói do futebol, combina com a fidalguia tricolor. Não tem nada a ver com aquele craque, de mãos nas cadeiras, que você passava os jogos denunciando. Ou outro, lateral-direito, que dava as costas para o goleiro que tinha posse da bola. Aliás, este campeonato teve um personagem que você identificou muito antes do nosso técnico. Apenas um jovem coadjuvante, mas que joga com a cabeça em pé, do jeito que você sempre pediu.

A torcida aprendeu com as derrotas, e por isso mesmo segue desconfiada. Não falta fôlego, é apenas a ansiedade da espera pelo título. A torcida se renovou, amadureceu. Diria um hermano, que não joga bola e não é tricolor: olha lá, quem sempre quer vitória e perde a glória de chorar. O nosso caso é inverso. A derrota faz parte da nossa história recente, assim como a redenção. Já choramos em glória apoteótica, estamos prontos para vencer. Meu pai que o diga. Depois de quatro mandatos, sempre fazendo sua parte no cotidiano do clube, esbravejando contra opositores e, sobretudo, entre quatro paredes, ele está do lado derrotado. Conselheiro, se estivesse aqui, você também não mais o seria.

É goooooooooooool. Ouviu? Os gritos vêm pela janela. A informação se atualiza aqui na Internet, no jogo que corre on line: um gol do tamanho da distância que nos separa, um gol que nos reaproxima. Futebol é matéria de amigos, que querem se abraçar, que querem brincar de se engalfinhar. Há os que querem se matar de fato, mas esses desconhecem a essência da brincadeira. Lembro de você por isso: o futebol era a brincadeira que nos unia, inclusive no tédio das reuniões do conselho. Meu pai leva a sério demais. Ele deve estar lá, com meu irmão, ou sem ele, torcendo, sem a noção exata do que está acontecendo, perguntando quem fez o gol, porque teve um apagão e só tem certeza de que a bola entrou porque estamos todos pulando de alegria, dentro e fora do estádio, em terra firme e no céu. A camisa dele é 75; a identidade, Vovozão.

Acabou. Permito-me reescrever o que já estava escrito: o Fluminense é o campeão brasileiro de 2010. Vamos comemorar e você será nosso convidado especial.

Cai um dilúvio agora. A arca tricolor está pronta.

6 comentários:

  1. Meu amigo Rodolpho!

    Não tenho palavras pra descrever o que seu texto "para" o meu pai fez comigo, com a minha irmã e minha mãe. Nós o lemos juntos e após o último ponto final nos olhamos com olhos iguais, olhos d'água.

    Palavras me lembram ele e, você com seu dom para elas, me permitiu ouví-lo, vê-lo e abraçá-lo hoje e no dia da grande final! Eu fiquei muito feliz com o jogo, estava torcendo de verdade por vocês...por ele.

    Obrigado pela sua sensibilidade e carinho pelo Cesar, pelo conselheiro, pelo canalhão...pelo meu pai.

    Um abraço apertado com meu coração em seu peito!

    Ale

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  2. Rodolpho,

    Não sou tricolor, mas fiquei torcendo pelo seu time como fosse um torcedor fanático pelo Flusão. Parabéns!!!

    Mas o intuito para falar do texto, é porque conheci um grande homem apaixonado pelo futebol, familia, amigos e principalmente pela sua casa: Maracanã.

    Quando escreveu este texto, fiquei bastante emocionado, pois aprendi muito com ele e hoje trabalho ao lado do filho; e continuando aprendendo.

    São essas pessoas que estarão sempre ao nosso lado e você está sendo um deles.

    Parabéns pelo BELO texto.

    abs,
    amigo

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  3. Grande Rodolpho,
    Não nos conhecemos mas, não precisava. Temos um amigo em comum, digo temos porquê, mesmo não estando mais entre nós, continua na nossa memória como um grande amigo pois, seus comentários e observações servirão eternamente como aprendizado e, portanto, sempre entre nós.
    Parabéns pelo texto, sinceramente, não torçi por ninguém mas, fiquei imensamente feliz por todos vocês tricolores e, claro, em especial, pelo nosso Guru.
    Abraços,

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  4. vou dizer uma coisa...como flamenguista, às vezes não entendia famílias que amava tanto sendo tricolores doentes (brincadeira)... mas hoje fico feliz em ver um jogo, uma vitória que significa tanto pra quem eu amo, aqui e do OTRRRO LADO..... beijos enormes!!!

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  5. Sensacional como sempre!!!
    Acho que eu tinha perdido esse seu post!!! Não estou me perdoando!!!rsrs Mas de qualquer forma é indescritível a sensação que tive ao lê-lo hoje, pela primeira vez, depois de quase um ano se passado!!!
    Adorei!!! Obrigada!!!
    Bjs e SDS TRI!!!

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