quinta-feira, 18 de março de 2010

A Moldura do Paralama

Passavam das oito da noite. Cheguei à área de desembarque do Terminal 1 do Galeão disposto a pegar o primeiro táxi que estivesse disponível. O motorista conversava com colegas, todos em pé um pouco à frente dos carros. Ele se aproximou e fiz sinal que seriam dois. O senhor queria dizer alguma coisa? Apenas que precisamos de dois táxis. Eu me despedi e entrei. Aonde vamos? Real Grandeza. Onde? Desculpe-me. Estou velho e já não tô escutando bem. Real Grandeza. Dei todas as orientações e partimos.

Real Grandeza é aquela do pardal, né? Na esquina com a Voluntários. Essa. A do Batalhão. A de Furnas, completei. Estou velho. Acho que já vivi bastante. E tenho dirigido pouco. Outro dia um passageiro me pediu para ir pra Castro Alves, no Méier. Não lembrava que rua era. Fiquei pensando e perguntei. Ele disse: a da Parmê. A rua, de repente, veio na minha cabeça.

Permaneci mudo, enquanto ligava meu celular. Sabe, eu acho que deviam pegar um estado brasileiro (desses com pouca população) e colocar todos os velhos lá. Velho só faz merda, você não acha? Não.

Meu pai tinha ligado. O taxista continuou falando sem perceber que eu estava ao telefone. Comentei que era o meu velho, mas acho que ele não ouviu. Eu quero renovar minha carteira de identidade. Ela é do tempo que eu era garoto. Se eu renovar, vem escrito: maior de 65 anos. Mas tá conservada. Meu título de eleitor também é o antigo, meu CPF... tudo bem conservado.

Fui a Buenos Aires e quase me barraram. Mas eu levei o passaporte também. Ele ficou comparando as fotos, disse que não era a mesma pessoa. Eu falei, assim bem rápido, que não tinha nada o cu com as calças. Baixinho, o cu com as calças. Ele tava lá falando castelhano e não ouviu. Pedi para chamar o superior. Aí resolveu.

No elevado, o trânsito estava um pouco congestionado. De repente, ele parou o carro, puxou o freio de mão e saiu. Voltou logo com uma peça de carro na mão. Ganhei um dinheirinho hoje. É do paralama do Corsa. Quando o carro acelera na água, ela sai e fica na poça. Quando chove muito, eu sempre acho uma. Tenho várias. Verde, preta, amarela pra táxi. Eu vendo pros colegas. Qual a cor...? Essa é preta.

Olha, tem outra ali. Não consegui ver. Ainda estávamos no elevado. Depois eu volto. Lá pra meia-noite, quando não tem movimento. Encosto e pego. Tranquilo. Dali em diante, ele ficou procurando um Corsa que tivesse a moldura para me mostrar. Por quanto o senhor vende? 50 reais. E na concessionária? 150.

Chegamos. O senhor prepara um recibo pra mim? Obrigado e boa noite. Obrigado o senhor pela sorte que me deu hoje. Até a próxima.

Em casa, encontrei a peça no Mercado Livre. A mais barata, por 18 reais.

Um comentário:

  1. parece conto de Stephen King, vc pega um taxi e o cara é insano, sai com paralamas na mão pela cidade, sem falar coisa com coisa, e vai ficando meio "Misery", rs,rs,rs

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